Lula alavanca candidatos nos Estados
Lula alavanca candidatos nos Estados
Márcio Santilli
Na reta final para as eleições gerais do próximo domingo, os institutos de pesquisa mais idôneos apontam uma diferença entre 10% e 14% de Lula sobre Bolsonaro, no primeiro turno. Há dúvida sobre se haverá segundo turno, mas em nenhum momento Bolsonaro chegou a ameaçar Lula. Fez de tudo: despejou bilhões em auxílios emergenciais, benesses corporativas e emendas do orçamento secreto. Abusou do santo nome de Deus, dos símbolos e das datas nacionais, dos recursos da máquina de Estado, de falsas notícias e narrativas, da violência contra os adversários. Nada mudou.
A essa altura, mais de 80% dos eleitores já definiram os seus candidatos. Ainda há um contingente disposto a mudar o voto em favor dos favoritos. No mais, pode ocorrer de Simone Tebet, que está em crescimento lento, mas consistente, chegar em terceiro lugar, sobretudo se Ciro Gomes perder votos para Lula nessa reta final da campanha. A intensidade desses movimentos definirá a existência ou não do segundo turno. É normal que candidatos majoritários fortes favoreçam o crescimento dos seus aliados que concorrem no mesmo pleito. Em 2018, a onda favorável a Bolsonaro levou Wilson Witzel ao governo do Rio de Janeiro, em cuja chapa Flávio Bolsonaro elegeu-se senador. Em São Paulo, Eduardo Bolsonaro foi eleito deputado federal com a maior votação do país. Nessas eleições, Lula deve ser o maior puxador de votos, embora Bolsonaro ainda seja um eleitor para os seus, sobretudo nos estados em que deve vencer, como Santa Catarina, Mato Grosso, Roraima e Rondônia.
Vira-vira
Ficou preocupante a situação do Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais e candidato à reeleição, que vinha mantendo uma vantagem confortável nas pesquisas, com grande chance de vencer no primeiro turno. A vantagem caiu nove pontos na semana passada, com a subida de Alexandre Kalil (PSD), aliado de Lula. A prosseguir nesse ritmo, a disputa irá para o segundo turno. Minas tem o segundo maior colégio eleitoral do país, onde Lula lidera.
A situação é similar na Bahia, onde ACM Neto (União Brasil) tinha uma vantagem enorme. Ele ainda mantém a chance de vencer no primeiro turno, mas Jerônimo Rodrigues (PT), ameaça levar a decisão para o segundo. A gestão de ACM na prefeitura de Salvador é bem avaliada, mas ele está sendo acusado de falsidade ideológica por ter se registrado, enquanto candidato, como sendo de cor parda, quando, na verdade, é branco. Já havia feito isso na eleição para prefeito, para reforçar a sua identidade com a população negra, majoritária no estado. Dessa vez, repercutiu muito mal. O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), é franco favorito na disputa pela reeleição. Ele se mantém como aliado do Bolsonaro, mesmo tendo o seu partido uma candidata própria. Mas Leandro Grass (PV), aliado do Lula, está crescendo nas pesquisas, onde já aparece em segundo lugar. Ibaneis continua bem à frente, mas a sua vantagem diminuiu diante da soma das preferências pelos demais candidatos, o que torna mais provável do que antes a hipótese de segundo turno.
Caso a eleição presidencial vá para o segundo turno, a radicalização política vai crescer ainda mais, deixando em posição incômoda os candidatos a governador em disputa de segundo turno sem alinhamento com Lula ou Bolsonaro. Mas, se Lula vencer no primeiro turno, serão mais beneficiados os seus aliados que disputarem o segundo turno. A permanência de Ciro Gomes na disputa presidencial, em condições desfavoráveis, também impacta os seus aliados. No Ceará, seu principal reduto eleitoral, foi rompida a aliança entre o PDT e o PT, dando espaço para o crescimento do Capitão Wagner (União Brasil), candidato da direita. As pesquisas indicam que Roberto Cláudio (PDT) foi superado por Elmano Freitas (PT), que deve disputar o segundo turno. Desde o início da campanha, a hipótese de segundo turno tem sido mais provável no Rio de Janeiro e em São Paulo. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), aliado do Bolsonaro, deve disputar o segundo turno com Marcelo Freixo (PSB), que tem o apoio do Lula. Essa disputa, no domicílio eleitoral do presidente e onde operam com maior intensidade as milícias ligadas a ele, pode se radicalizar. Ameaças à vida de Freixo têm sido frequentes.
Em São Paulo, a disputa também será difícil. Embalado pelo favoritismo de Lula, Fernando Haddad lidera nas pesquisas, num estado que o PT nunca governou. Os seus concorrentes mais fortes, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o ex-ministro do Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disputam uma vaga no provável segundo turno. Nenhuma hipótese pode ser descartada. Se houver uma onda forte nos últimos dias de campanha, Haddad poderá até vencer no primeiro turno, mas também poderá ocorrer a soma dos votos conservadores numa disputa, mais provável, num segundo turno. Segundo o TSE, São Paulo tem 34.667.793 pessoas aptas a votar nessas eleições, o que representa 22% dos 156.454.011 milhões de eleitores do país. Além do seu peso eleitoral, São Paulo é essencial para a economia e para a reconstrução nacional. Numa provável nova gestão do Lula, seria estratégica a presença de um aliado no governo paulista.
Novo Congresso?
É mais difícil prever o impacto das eleições presidenciais sobre a composição do futuro Congresso. Apenas um terço do Senado será renovado, com a escolha de um senador por estado. Como não há segundo turno nas eleições legislativas, eventuais disputas dentro de um mesmo campo político tendem a ser mais letais. A vantagem de Lula deve favorecer candidatos aliados, como Márcio França (PSB) em São Paulo. Mas não pode alterar significativamente a correlação de forças no Senado.
Nessas eleições, os deputados federais da atual base governista foram privilegiados com o uso político dos recursos destinados às suas bases eleitorais por meio de emendas ao chamado orçamento secreto. A liberação de parte desses recursos ainda está pendente por razões fiscais, mas, mesmo assim, este é uma benesse que favorece a reeleição de atuais parlamentares, inibindo a renovação. Apesar disso, a vantagem de Lula deve favorecer, em alguma medida, o aumento das bancadas dos partidos mais progressistas na Câmara dos Deputados. As federações partidárias, entre PT, PV e PCdoB, e entre PSOL e Rede, reduzem a dispersão de votos nesse campo e facilitam o cumprimento da cláusula de barreira vigente, instituída para reduzir a fragmentação partidária. O Lula de 2022 não é o Lula de 2002. Agora, ele lidera uma frente ampla de forças políticas que se unem para reverter a ameaça ao regime democrático representada por Bolsonaro. Partidos que apoiam outros candidatos no primeiro turno deverão se agregar à base de apoio ao seu governo que, provavelmente, será majoritária, mesmo com o fim do orçamento secreto. A bancada bolsonarista deve ficar reduzida.
Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996