9 de maio: virada na guerra da Ucrânia?
9 de maio: virada na guerra da Ucrânia?
Frederico Vitor de Oliveira
O dia 9 de maio de 2022 é comemorado na Rússia o Dia da Vitória, data em que se celebra o 77º aniversário da capitulação da Alemanha Nazista pelo Exército Vermelho. Nessa mesma data, em 1945, as tropas da União Soviética comandada com mão de ferro pelo ditador Josef Stálin entraram triunfantes em Berlim e ergueram o estandarte bolchevique sobre o topo do Reichstag (chancelaria do império totalitário nazista do ditador alemão Adolf Hitler) e impuseram fim à Segunda Guerra Mundial — 1941-1945 — na Europa. O presidente russo Vladimir Vladimirovitch Putin em lembrança à magna data da Rússia contemporânea fará seu tradicional discurso perante às milhares de tropas das Forças Armadas da Federação Russa reunidas orgulhosamente na Praça Vermelha. O evento é televisionado e transmitido ao vivo pela internet para todo o mundo, onde servirá também de espetáculo para a exibição e demonstração de força da maquinaria bélica do Kremlin.
9
de Maio
Em meio ao conflito da Ucrânia, observadores e analistas geopolíticos vão se atentar às palavras proferidas por Putin. Há quem aposte que o autocrata russo poderá aproveitar a ocasião para mudar o status da intervenção militar de “Operação Militar Especial” para uma “guerra” propriamente dita. Pode parecer mera questão de semântica, porém a questão não é tão simples assim. Caso venha oficialmente considerar a invasão militar do território ucraniano como um ato de guerra, tal prerrogativa abre espaço para Putin decretar lei marcial em toda Rússia — supressão de direitos civis elementares — além de intensificar a mobilização de tropas, o que deve escalar ainda mais o conflito.
Há muitas dúvidas que ainda pairam sobre as reais intenções de Putin em sua aventura militar na Ucrânia. No entanto, não há imprecisões ao definir que a ação deliberada no dia 24 de fevereiro foi um movimento geopolítico de caráter imperialista. Os russos enxergam as 14 repúblicas (Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão) que faziam parte da extinta União Soviética como sua legítima área de influência.
A pátria de Leon Trótski
Nesse contexto, a Ucrânia é o país de maior relevância. Importante demais para que os estrategistas de Moscou venham permitir que a pátria de Leon Trótski passe para a órbita da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — a aliança militar de caráter defensivo e ofensivo liderada pelos Estados Unidos. Para apartar a Ucrânia do Ocidente os russos estão dispostos a tudo, até mesmo o uso da força.
Sob a ótica de Moscou, a guerra se justifica por três motivos principais
No entanto, é válido lembrar que, sob a ótica de Moscou, a guerra se justifica por três motivos principais. O primeiro deles teria sido a descoberta por parte do FSB (serviço secreto russo sucessor da extinta KGB) e da GRU (serviço de inteligência militar russo) de uma iminente operação militar ostensiva ucraniana, apoiada pelo Ocidente, sobre a região do Donbass. Moscou, nessa perspectiva, não poderia aceitar que cidadãos de língua e cidadania russa residentes em território ucraniano próxima da fronteira russa viessem ser atacados.
Um ex-comediante alçado ao poder com apoio de autocratas ucranianos pró-ocidente e anti-Rússia
Diante disso, dado o passo de recorrer à guerra, Putin teria calculado que o governo do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, um ex-comediante alçado ao poder com apoio de autocratas ucranianos pró-ocidente e anti-Rússia, teria que ser decapitado. Consumada a derrubada do regime de Kiev seria alterada a constituição ucraniana vedando qualquer iniciativa da Ucrânia integrar a União Europeia e a OTAN. Mais: a atual configuração do território seria mudada com a secessão das Repúblicas Popular de Donetsk (DPR) e Lugansk (LPR). O que sobrasse da Ucrânia seria convertido em um protetorado russo.
Um desastre Militar?
Até essa data, o conflito na Ucrânia tem sido definido por diversas análises fartamente publicadas nos principais meios de comunicação de alcance global como um verdadeiro desastre militar para a Rússia. De fato, os militares russos têm sofrido vários problemas, como dispersão de tropas, falta de comando, deficiência de abastecimento de combustíveis, munições e víveres em diversas frentes de batalha. Aparentemente, as tropas de Putin não teriam capacidade de coordenação hierárquica. Além disso, de acordo com tais análises ocidentais, o Exército Russo não estaria em condição de repor as perdas materiais sofridas. Cerca de 10% dos helicópteros de assalto e ataque do inventário russo e, cerca de 3.300 veículos militares (tanques, veículos blindados sobre rodas, artilharia autopropulsada, caminhões, dentre outros) teriam sido destruídos, segundo os prognósticos publicados por boletins do Pentágono (Estado-maior das Forças Armadas Americanas) e massificados pela imprensa norte-americana.
As perdas sofridas pelos russos se deram por múltiplas razões
É preciso ressaltar que, a despeito das Forças Armadas da Ucrânia (ZSU, na sigla em ucraniano) terem sido estraçalhadas pouco depois da eclosão da guerra, as perdas sofridas pelos russos se deram por múltiplas razões. O governo russo afirma que cerca de 60% dos veículos de combate perdidos na ofensiva deflagrada em fevereiro sobre o território ucraniano não teriam sido destruídos em combate. Isso significa que foram retirados de operação por falta de combustíveis e de manutenção adequada. Os números de militares russos mortos e feridos também são desencontrados e controversos. Falam-se em cerca de duas mil baixas no lado russo e cerca de cinco mil entre as tropas ucranianas.
Kremlin possui vastas reservas de pessoal e suprimento
A despeito do juízo de altas taxas de perdas humanas e de materiais por parte das forças russas é possível afirmar com segurança que o Kremlin possui vastas reservas de pessoal e suprimento. A equação que Putin e seus militares buscam resolver é a integração de seus sistemas de armas em uso no campo de batalha em um arranjo tático em torno de uma guerra de desgaste cara demais para que a resistência ucraniana possa aguentar. Essa guerra não se trata de um conflito de duelos de tanques como propalado pelas agências de notícias americanas e europeias. É uma guerra de atrito. Isto é, um tipo de confronto militar no qual as preocupações com os efeitos colaterais (baixas civis e militares) são completamente ignoradas.
Russos tomaram um território tão grande quanto o Reino Unido
Do ponto de vista operacional, em seis dias, os fatos demonstraram que os russos tomaram um território tão grande quanto o Reino Unido, com uma velocidade de avanço maior do que a Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha Nazista) havia alcançado em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, quando entraram em Paris após destruir o Exército Francês. Antes do início da ofensiva, a maior parte do Exército Ucraniano foi implantado ao Sul do País em preparação para uma grande operação contra o Donbass a partir da Crimeia. É por isso que as forças russas conseguiram cercá-los desde o início de março no “caldeirão” entre Slavyansk, Kramatorsk e Severodonetsk, com um impulso do Leste através de Kharkov e outro do Sul da Crimeia.
As forças russas estão lentamente apertando o laço
Tropas das Repúblicas de Donetsk (DPR) e Lugansk (LPR) estão complementando as forças russas com um impulso do Leste. Nesta fase, as forças russas estão lentamente apertando o laço, mas não estão mais sob pressão de tempo. Seu objetivo de desmilitarização (destruição da infraestrutura militar ucraniana) está praticamente alcançado. O que sobrou da ZSU não tem mais uma estrutura de comando operacional e estratégico. A desaceleração que das operações russas se dá no momento se deve à má logística apenas em consequência de terem alcançado os seus objetivos iniciais. Outro fato evidenciado é a Rússia não querer ocupar todo o território ucraniano. Putin está tentando limitar seu avanço à fronteira linguística do País, ou seja, na região de Donbass.
Uma resistência Prolongada?
O problema de entrar numa guerra com a Rússia é que eles vão apelar, ou seja, eles vão recorrer às armas nucleares. Parece que tal ameaça não tem assustado a Suécia e a Finlândia, cujo processo de adesão à OTAN teria sido deflagrado pelas respectivas autoridades escandinavas. Se olharmos o histórico não muito distante de outras operações militares empreendidas pelos russos, como na Chechênia, Geórgia e Síria, é possível constatar que a reação dos comandantes militares russos diante de reveses no campo de batalha é sempre brutal.
Vladimir Putin, mais jovem
Foi o que aconteceu com Grózni, capital da Chechênia, que foi reduzida a escombros na Segunda Guerra da Chechênia (1998-1999) — conflito que alçou Putin ao estrelato político na Rússia. O episódio conhecido como cerco de Grózni se caracterizou pelo amplo e indiscriminado uso da artilharia russa — rajadas de canhões, foguetes e mísseis balísticos — que praticamente aniquilou a infraestrutura urbana com um saldo de mortos e feridos entre os civis chechenos que até hoje ainda são desconhecidos e impedidos por Moscou de serem divulgados com exatidão.
Outro claro sinal da mudança de rumo da postura militar da Rússia no conflito da Ucrânia foi a nomeação do general Alexander Dvornikov, chamado pelos comandantes da OTAN de o ‘carniceiro da Síria’. Tal reputação do novo comandante, cuja aparência se assemelha a de um brutamontes, se deve ao fato dele ter utilizado métodos brutais na Síria — em ações militares deflagradas em 2015 em defesa da manutenção do regime do ditador Bashar al-Assad — com ataques indiscriminados às áreas densamente povoadas por civis.
Ou seja, o general de confiança de Putin é um especialista em fazer a guerra ao modo russo: uso dantesco da força (especialmente da artilharia) sem se preocupar com os efeitos colaterais. Na ocasião em que o novo comandante das operações russas sobre o território da Ucrânia esteve na Síria ele transformou o teatro de operações em um campo de testes para novos armamentos do arsenal russo, tais como: míssil de cruzeiro de ataque terrestre 3M-54 Kalibr, míssil supersônico ar-terra P-800 Onyx, tanque pesados T-90SM e T-14 Armata e o caça de quinta geração SU-57.
Enquanto isso o Kremlin caminha para declarar uma vitória na batalha de Mariupol. As forças russas cercaram e dizimaram a resistência ucraniana que está encurralada no complexo industrial de Azovstal. Estima-se que cerca de dois mil combatentes do Regimento Azov (unidade militar ucraniana composta por simpatizantes do nazismo) estariam escondidos em túneis. O cenário ficou mais dramático quando da notícia de que pelotões de forças especiais russas (incluindo mercenários chechenos cuja reputação são de elementos extremamente violentos) estariam manobrando para travar combates com os ucranianos dentro das galerias subterrâneas da usina construída nos tempos da União Soviética.
A Europa está encurralada?
Veículos da OTAN com armas e munições enviados em direção à fronteira com a Ucrânia serão destruídos, disse o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu. Em uma teleconferência ele observou que qualquer transporte da aliança que chegasse ao território do país com armas ou material para as necessidades das forças da Ucrânia seria considerado um alvo legítimo. “As Forças Armadas da Federação Russa continuarão a cumprir todas as tarefas estabelecidas pelo Comandante-em-Chefe Supremo”, disse o ministro.
A imprensa internacional noticiou com alarde e até, de certa medida, entusiasmo, que a Alemanha iria desembolsar mais de 100 bilhões de euros nos próximos anos para reequipar suas Forças Armadas. Quem deve ter comemorado tal notícia foi o complexo militar norte-americano. Isso porque o Exército Alemão, desde 1989, ano da queda do Muro de Berlim (evento que marcou o início da reunificação alemã e o fim da Cortina de Ferro), se transformou em meras forças auxiliares dos Estados Unidos no continente europeu.
Os alemães não têm nenhuma autonomia militar estratégica e estão completamente subalternos aos ditames do Pentágono e seus vassalos da OTAN. O potencial de Berlim em reconstruir suas Forças Armadas deixando-as poderosas e capazes de garantir a integridade da Europa é enorme. Entretanto, isso não passa pelos planos dos estrategistas em Washington. Afinal, os alemães já deram suficientes mostras de que, ao terem à disposição um exército formidável e poderoso, as consequências e implicações geopolíticas podem ser imprevisíveis e contrárias à ordem vigente atlanticista (leia-se liderança militar, econômica e política dos EUA sobre o Ocidente).
Talvez a maior arma que os alemães tenham contra a Rússia seja a possibilidade de romper os sistemas de gasodutos (Nord Strem 1 e 2) que saem do interior do território russo, atravessam as profundezas do Mar Báltico e terminam na costa alemã. Mas essa seria uma saída drástica que, paradoxalmente, os efeitos colaterais poderão ser iguais ou maiores aos danos causados à Rússia. Isso porque a paralisação da importação de energia da Rússia pela Alemanha é apenas uma inconveniência para Moscou. Já para a Alemanha, maior economia da União Europeia, pode significar a morte. O parque industrial alemão depende fortemente do gás russo como principal fonte de energia. Não somente de gás os alemães se alimentam da Rússia. O petróleo, seja bruto ou refinado, é amplamente consumido pela locomotiva econômica europeia.
A França é o país da Europa Ocidental mais bem armado (nos padrões europeus) do velho continente. Graças a seu parque industrial militar próprio e autônomo, um legado do General Charles De Gaulle, os franceses possuem o maior e mais poderoso Exército dentre os países da União Europeia. No entanto, mesmo ostentando um vasto arsenal produzido pela sua indústria bélica nativa, como porta-aviões e submarinos de propulsão nuclear, além de mísseis balísticos intercontinentais que lhe confere a tríade nuclear (a capacidade de deter três diferentes meios de lançamento de armas atômicas contra um potencial inimigo), ainda não é o suficiente para dissuadir militarmente os russos.
Talvez a maior fraqueza da França seja o aspecto político. Não há novos De Gaulle. O ‘sistema’ francês não pode mais produzir verdadeiros estadistas. Emmanuel Macron, recentemente reeleito ao Palácio do Eliseu ao derrotar a adversária de extrema-direita (e simpática a Moscou), Marine Le Pen, deve seguir uma política no campo internacional de subalternidade a duas diretrizes: a Bruxelas (sede da União Europeia) e a de Washington.
O Reino Unido do primeiro-ministro de cabelos esvoaçantes, Boris Johnson, é apenas uma reminiscência do outrora glorioso Império cujo sol nunca se punha. As Forças Armadas de Sua Majestade, a despeito de possuírem armas nucleares — que somente deverão ser usadas sob autorização de Washington —, atualmente são leões sem dentes, dependentes por completo de seus mestres americanos. Se comparado ao Exército Russo, a Força Terrestre dos britânicos é três vezes menor. Enquanto os russos perfilam cerca de 300.000 soldados, o efetivo inglês é de cerca de 82 mil tropas, ou seja, pode caber todo ele na Arena de Wembley — palco da final da Copa do Mundo de 1966.
A Marinha Real, o ramo militar de maior orgulho dos ingleses, é infinitamente menor que a de sua contraparte russa. A cada década a frota inglesa encolhe cada vez mais tendo apenas dois porta-aviões que não têm caças (do tipo F-35) o suficiente para equipá-los. Ou seja, como afirmou o especialista em assuntos militares e geopolíticos da Rússia, Andrei Martyanov, a única maneira do Reino Unido aliviar a dor de ser uma paródia pomposa de seu glorioso passado é continuar a filmar contos de fadas sobre James Bond nos quais o glorioso MI-6 (agência de inteligência britânica) luta para salvar o mundo das ameaças contra o mundo anglo-saxão.
Fracasso do Ocidente em entender e apreciar a Rússia
O fracasso do Ocidente em entender e apreciar o que a Rússia (então a União Soviética) realizou na Segunda Guerra Mundial está na raiz de seu fracasso em entender o que a Rússia está fazendo hoje na Ucrânia. Talvez a insistência das potências ocidentais em não permitir o governo de Kiev em buscar uma solução negociada com os russos encontre explicações no panorama político interno dos EUA. Esse ano haverá eleições ao congresso americano e as previsões são de que o Partido Democrata de Joe Biden deverá perder a maioria tanto da Câmara quanto do Senado. Ou seja, o inquilino da Casa Branca deve apelar eleitoralmente ao conflito da Ucrânia.
Frederico Vitor Oliveira é jornalista com Bacharelado em Comunicação Social Jornalismo pela UniAlfa e formado em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG).