Renato Dias
Sentado na cadeira em que Galileu Galilei teria sido julgado pela Igreja Católica, Leonardo Boff, frei franciscano desde 1959, sem direito a advogado, presunção de inocência e contraditório é condenado. A um silêncio obsequioso. Um cala boca. A ordem é expedida pela Congregação da Fé. Com sede no Vaticano. Ele não poderá dar aulas, conceder entrevistas ou escrever livros. Muito menos prestar depoimentos. Teólogo, é o autor de Igreja, Carisma e Poder. Obra explosiva que expõe as vísceras da maior e mais longeva religião do mundo. A punição é assinada por Joseph Ratzinger. Alemão.
Dominicano, frei Betto integrou a Ação Libertadores Nacional. Fundada em 1968, a ALN adotou a estratégia de luta armada contra a ditadura civil e militar. Preso em 1969, o religioso testemunha o calvário de Frei Tito de Alencar Lima. Torturado, exilado no Chile e que se suicida na França. No ano de 1974. Por não suportar os fantasmas de Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Deops [SP], que o perseguiam. Veja: transtornos psiquiátricos graves desenvolvidos depois de sua prisão por suas ligações políticas com o ex-deputado federal constituinte baiano Carlos Marighella.
Em armas, trabalhadores da cidade e do campo sob hegemonia da Frente Sandinista de Libertação Nacional [FSLN] derrubam a ditadura civil e militar de Anastácio Somoza Debayle. Ela durou quatro décadas. Histórico dia 19 de julho de 1979. Um padre participa e é um entusiasta da revolução na Nicarágua. País pobre da América Central. Mais: o seu nome? Ernesto Cardenal. O papa conservador e anticomunista nascido na Polônia João Paulo II visita Manágua, se recusa a abençoar o sacerdote, aplica-lhe uma descompostura e exige o distanciamento total do sandinismo.
7 de setembro de 1980, Assunção, Paraguai. Um tiro de bazuca mata o ditador Anastasio Somoza Debayle. Capitão Santiago, codinome de Hugo Irurzun, teria apertado o gatilho, informa Enrique Gorriarán Merlo, líder do ato. O último herdeiro do clã que exercia uma ditadura civil e militar de 43 anos estava sob a proteção do ditador Alfredo Stroesnner. Operação arquitetada pelo Exército Revolucionário do Povo [ERP], da Argentina, que enfrentava também uma ditadura no País desde 24 de março de 1976. A morte o encontra um ano e dois meses após a primavera de Manágua.
Arcebispo de San Salvador, capital de El Salvador, América Latina, Dom Oscar Romero é executado a sangue frio no dia de 1980. Ele celebrava uma missa. À época da guerra fria [1945-1991] o país é fraturado pela guerra civil. Uma noite sombria que dura 12 anos. Com dezenas de milhares de mortos e feridos. Uma fração da Igreja Católica faz opção pelo projeto revolucionário. Da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional. A FMLN. O conflito político e militar devasta a nação. O acordo de paz é assinado em 1992. A tentação autoritária consolida o poder anos depois.
Uma balaclava a encobrir o seu rosto, com boné na cabeça e um cachimbo também no canto da boca, ele é a face performática da revolta antiglobalização do movimento deflagrado em Chiapas, México, ano de 1994. Em defesa dos direitos dos povos originários. Primeiro Subcomandante Marcos. Depois, como Subcomandante Galeano. Um único homem, dois personagens. Uma história que atualiza a senda de Emiliano Zapata. A última das utopias a mobilizar homens e mulheres em uma América Latina fundada na exploração colonial e pelos impérios, desigual e vil pobreza extrema.
Produção cinematográfica de França e Bélgica, direção de François – Xavier Drouet, 115 minutos de duração, gênero documentário, O Evangelho da Revolução relata, com imagens exclusivas, a aventura de católicos para a construção do paraíso possível na Terra. Não somente após a morte. No céu. Opção disruptiva com a doutrina até então hegemônica no Vaticano. Batalha perdida no século XX. Na Santa Sé. Para os conservadores: Papa João Paulo II e Joseph Ratzinger. Operação tem efeito colateral: o neoliberalismo totalitário e o crescimento do neopentecostalismo.
