Um lugar de ruptura à amnésia
Cemitério geral de Santiago
A História do Tempo Presente
Chile
Renato Dias
Texto
Meirilane Dias
Fotografias
De Santiago, Chile
Com o seu indefectível bigode, a marca dos seus óculos, uma metralhadora nas mãos e um capacete para leve proteção, Salvador Allende não se rende. Ele prefere morrer a trair os seus ideais. Políticos e sociais. Sob os escombros do Palácio de La Moneda. A velha sede do Poder Executivo Federal.
Um lugar para a desconstrução da amnésia social. Da ruptura com o Pacto Civilizatório, da ordem constitucional e das violações dos direitos humanos. Covas rasas, túmulos, urnas, jazigos, nichos, mausoléus. De corpos de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Para que não se repita. Nunca mais.
Ele é a testemunha viva do Tempo Presente. De um passado que não passa. Aliás ele nem é passado. É o Cementerio General, de Santiago, a Capital do Chile. Um país do Cone-Sul. Com mais de quatro mil mortos e desaparecidos políticos. Os despojos dialogam. Veja: não existe crime perfeito.
Médico, um adepto das ideias de Karl Marx [1818 _ 1883], ele é eleito, em 1970, ensaia a construção do “socialismo democrático”, com face humana. Veja: sem o recurso das armas. Mais: com funcionamento pleno das três instituições da República: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e liberdade à mídia.
Civil e militar, a Embaixada do Brasil como o Quartel General [QG], a ingerência externa dos EUA, um golpe de Estado derruba a experiência chilena, ataca o Palácio de La Moneda e por 17 anos o general do Exército Augusto Pinochet opera o Estado Leviatã: exílios, presos, mortos e desaparecidos.
Cancioneiro popular, um ícone, Victor Jara é preso e torturado. Ele tem as suas duas mãos quebradas e acaba executado. Local: no Estádio Nacional. Espaço que virou um campo de concentração. Para impedir que a sua voz ecoasse. O seu corpo parou no necrotério e foi identificado por Joan Jara.
Prêmio Nobel de Literatura do ano de 1971, o poeta e diplomata Pablo Neruda morreu no dia 23 de setembro de 1973. Dez dias apenas depois da operação política e militar. Causa mortis: um suposto envenenamento por bactéria de botulismo. Não câncer de próstata. Um persona non grata das direitas.
Já Carlos Prats, um general do Exército do Chile, legalista, no exílio em Buenos Aires, Argentina, acabou assassinado em 1974. Registro: pela Operação Condor. Assim como o ex-ministro Orlando Letellier, morto nos Estados Unidos das Américas, no ano de 1976. Em uma explosão. Do seu carro.
Belíssima matéria. Parabéns ao jornalista Renato Dias.