Golpe no Chile - Crédito - Memorial da Democracia
HistóriaPolítica

Golpe, exílios e mortes no Chile

11 de setembro de 1973

Um passado que nem é passado

Palácio de La Moneda, em Santiago

Renato Dias

À espera da revolução socialista, que faltou ao seu encontro no Brasil, Lenine Bueno Monteiro, exilado no Chile, testemunha in loco o aniversário do Governo da Unidade Popular, em 4 de setembro de 1973. Veja: o presidente da República, Salvador Allende, médico marxista, ex-senador que chegou ao Palácio de La Moneda, após disputar quatro eleições presidenciais consecutivas.

Lenine Bueno

Dias elétricos aqueles, recorda-se o ativista estudantil de Goiânia e aluno da UnB. Ele informa que morava em Nuñoa, próximo do Estádio Nacional. Já em 11 de setembro é acordado por sua companheira. Com uma frase que cai como um soco no seu estômago. O golpe começou, ela dispara. Fardados e civis, com o apoio dos EUA e do Brasil bombardeiam a sede do poder, conta. 

Golpe no Chile _ 1973

Mais: o matraquear das armas automáticas quebra o silêncio total. Apenas alterado pela Rádio Magallanes, que já transmite o último pronunciamento do arquiteto da experiência chilena de transição democrática para um socialismo de face humana. O discurso era o seu testamento político com uma absoluta crença no futuro, diz o soldado das utopias. A caça aos estrangeiros iria começar, narra.

Tensão. A temperatura nas alturas. Lenine Bueno Monteiro refugia-se na Embaixada do México. O espaço diplomático salva a sua vida. Com a tradição mexicana de abrigar perseguidos políticos, dispara. A “hospedagem” dura até outubro. O Chile concede salvo-conduto até o Aeroporto Internacional de Santiago. A interrogação de Vladimir Ilich Ulianov [Lênin] paira: que fazer?

Salvador Allende 1908-1973

O futuro era tão incerto quanto os últimos momentos da Unidad Popular, ele lamenta. Soam, hoje, em meus ouvidos, as palavras de ordem de atos e manifestações de 1973 de dimensões ciclópicas, com los obreros, campesinos e intelectuales, aos milhares, lado a lado, olhando o futuro que construíam e faziam tremer a burguesia chilena ao gritar nas ruas: “Unidad Popular; Venceremos!”.

Tarzan de Castro dava aulas de Ciências Políticas na Escola de Formação do Chile. Sob o clima cinza do dia 11 de setembro de 1973 com o golpe de Estado em marcha acelerada, ele deixa a mina no deserto do Atacama, local em que lecionava, retorna a Santiago, a um bairro de exilados latinos, é preso, conduzido ao Estádio Chile, vê um médico cubano ser fuzilado e é torturado.

Tarzan de Castro 1
Tarzan de Castro 3
Tarzan de Castro 2

Agentes do Estado do Brasil, membros das Forças Armadas, Ciex, SNI, Dops, no Estádio Nacional, Santiago, no Chile, participavam das sessões de torturas e interrogatórios no Estádio Nacional, ele denuncia. Corpos eram empilhados, acusa ainda. Após séria intervenção da ONU, os presos políticos brasileiros conseguiram deixar o País. Tarzan de Castro ficou seis anos na Europa: França.

Com um passaporte falso, em veloz fuga da repressão da ditadura civil e militar no Brasil, Leopoldo Paulino chega em fevereiro de 1970. Seis dias depois do golpe de Estado, teve a sua casa invadida. Ele acabou torturado, o seu filho de apenas um ano e oito meses desmaia, a família é presa, solta e obtém refúgio na Embaixada do Panamá. Anos de chumbo, ouro e terror no Chile.

Chile – Leopoldo Paulino
Leopoldo Paulino

Guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional, o fuzileiro naval José Duarte dos Santos, que embarcou como um membro dos 70 trocados pelo embaixador da Suíça no Brasil, Nobuo Okuchi, capturado pela luta armada, exilou – se, em Santiago, viu a ascensão do general Augusto Pinochet. Ele buscou a solidariedade na Embaixada do México. Depois, Bélgica e até Moçambique.

José Duarte dos Santos

Revolucionária do Molipo, uma dissidência da ALN, Silvia Peroba Carneiro Pontes relata ter visto o golpe de Estado civil e militar de 11 de setembro de 1973 pela TV de Cuba. As imagens de Salvador Allende resistindo, fuzila. A guerrilheira esteve no Chile antes da queda. Com locaute das empresas de ônibus, greve dos caminhoneiros, onda de desabastecimento orquestrada, afirma.

O que ficou claro é a elevada capacidade de o imperialismo dos EUA em manipular os segmentos da sociedade e a opinião pública com eficiência e no momento em que julgar conveniente, atira. Em tempo: eles, sim, são especialistas, insiste. Já o sonho do Allende de fazer a revolução com pão e vinho, pela via democrática, foi massacrado, desabafa. Versão e exames veem suicídio do chileno.

Erotides Borges

Funcionário da área de imagem da TV Globo, em Brasília, a capital da República, ele viu na tela as primeiras imagens do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, no Chile. Um clima de perplexidade na redação da sucursal. Cenas do bombardeio do Palácio de La Moneda. A informação seca: Salvador Allende estava morto. A esquerda fragiliza-se. A revelação é de Erotides Borges.

Chile em setembro de 1973

Reflexões

O êxito do golpe de Estado

A derrota da Unidade Popular 

O Chile se tornou o laboratório da política macroeconômica do capitalismo neoliberal, referência às elites do continente, assim como ao projeto que elegeu Jair Messias Bolsonaro, critica Alcilene Cavalcante.

Alcilene Cavalcante
Alcilene Cavalcante

A experiência chilena para o socialismo, com a superação do capitalismo, dentro da ordem, sem violência, novo paradigma às esquerdas, não se efetivou com Salvador Allende, sublinha Alcilene Cavalcante.

Salvador Allende

Professora doutora da Faculdade de História da UFG, ela mostra que o projeto da Unidade Popular [UP] acabou destruído na carne, nos ossos, com a violência do 11 de setembro de 1973. Com prisões, exílios e mortes, diz.

A consolidação da democracia na América Latina é uma luta permanente. É o que avalia o peruano Carlos Ugo Santander, professor doutor da Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Goiás [UFG].

Carlos Ugo Santander

A morte de Salvador Allende, no Palácio de La Moneda, em 11 de setembro de 1973, inaugura tempos sombrios com uma duração de 17 longos anos no País do Cone – Sul, diz o pesquisador de direitos humanos.

Mesmo após a curva da redemocratização, a América Latina testemunha a irrupção de forças sociais, econômicas e políticas fundadas no medo e na irracionalidade, dispara com acidez o intelectual público.

Fernando Casadei Salles, professor doutor de Educação da Universidade de Sorocaba [SP], ataca o conservadorismo e os limites curtos da Justiça de Transição promovida no Chile. Da ditadura para a democracia.

O docente exorciza também a vil agenda neoliberal adotada pelos ‘Chicago Boys’, no Chile, na economia sob a presidência do general do Exército, Augusto Pinochet, que se manteve intocada no Tempo Presente.

Augusto Pinochet

As mudanças que ocorreram no Chile depois da queda da ditadura civil e militar teriam sido frágeis, cosméticas e até insignificantes, o que explica a derrota no plebiscito e a volta da extrema direita, crê.

Fernando Casadei Salles

Interpretações

Das esquerdas no Brasil

O 11 de setembro de 1973 é a repetição de abril de 1964, no Brasil, 1965, República Dominicana, de 27 de junho de 1973, já no Uruguai, recorda-se Martiniano Cavalcante [PSB]. Sempre que as massas da América Latina se constituem em alternativas reais civilizatórias ressurge a vaga golpista, alerta o pensador. É preciso lutar e vigiar militares, oligarquias, mídia, mercadores da fé, fuzila.

Martiniano Cavalcante

A América Latina é uma área de influência dos Estados Unidos das Américas [EUA], além de ser refém do sistema financeiro, a fração hegemônica do capital, parasitária, fictícia, que não investe nunca na produção, controla o Congresso Nacional, assim como os conglomerados de comunicação e até o Judiciário. O que explica o cenário no Chile ontem e hoje, diz Euler Ivo Vieira [PC do B].

Euler Ivo Vieira discursa

As alianças celebradas com a burguesia, o foco na ordem institucional, sem mesmo admitir a natureza de classe do Estado do Chile teriam provocado o fim trágico do presidente da República, Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, avalia a líder do PSTU, Vera Lucia. Medidas que desmobilizam as massas, reitera. A UP abriu as portas à entrada das FA no Executivo, diz.

Vera Lucia

O que houve no Chile em 11 de setembro do ano de 1973 foi um desdobramento que aponta o fracasso do que se denominou “socialismo pela via pacifica”. A observação crítica é de Fred Frazão, quadro da esquerda do Psol. Como na Espanha de 1936 a 1939, frisa. Os trabalhadores não podem abrir mão de uma ruptura institucional, a revolução que exproprie a propriedade da burguesia, atira.

Fred Frazão

Reinaldo Pantaleão [UP] vê o golpe no Chile como parte do projeto do imperialismo dos EUA. A rapina da riqueza chilena estava sim em jogo, revela. Salvador Allende, eleito à esquerda e com participação popular, o que motiva a sua queda, em 11 de setembro de 1973, conta. Já, hoje, a extrema-direita tenta voltar ao poder pelas eleições com narrativas conservadoras e neoliberais, diz.

Reinaldo Pantaleão
Reinaldo Pantaleão

O golpe de Estado civil e militar de 11 de setembro de 1973 teve protagonismo do Brasil e gordo financiamento dos EUA, antes, durante e depois, informa o advogado e simpatizante do PT Fernando Dolci. Época de guerra fria, afirma. A morte do Nobel de Literatura Pablo Neruda continua envolta em mistério e exames, observa. “Já o retorno da extrema direita é um processo global, hoje.”

Fernando Luiz Dolci

Tragédia política orquestrada pelos EUA e executada por Forças Armadas, mercado, mídias e as classes médias fascistas para retirar do cenário latino-americano Salvador Allende, explica Isaura Lemos [PC do B]. Mais: Brasileiros foram presos no Estádio Nacional, pontua. Uma repressão violenta com exílios, prisões ilegais, torturas, além de desaparecimentos forçados e mortes, conta.

Isaura Lemos
Beto Almeida
Julio Turra
Rubens Donizetti
Clayton de Souza Avelar

Explosivo

explosivo

Um depoimento pungente de Jair Krischke

Fundador e presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos

Nós, os brasileiros, temos duas grandes dívidas para com o povo chileno:

1ª – No período em que a repressão, aqui no Brasil, nos fustigou de maneira impiedosa, foram o povo e o governo chileno, que nos receberam de braços abertos;

2ª – Lamentável e dolorosamente foi a ditadura militar brasileira, quem atuou de maneira decisiva, para o sucesso do golpe de 11 de setembro de 1973, que derrubando Salvador Allende, presidente legitimamente eleito, instalou um regime de terror, certamente o mais cruel do Cone Sul de nossa América.

É muito confortável para os militares brasileiros atribuírem toda e qualquer responsabilidade aos norte-americanos, pelos golpes militares ocorridos nas décadas de 60 e 70, especialmente, no Cone Sul de nossa América. Não podemos desconhecer que com o golpe militar de 1º de abril de 1964, adquiriu plena vigência no Brasil, a “Doutrina de Segurança Nacional”, inaugurando uma longa e trágica noite de repressão, tortura, desaparições, assassinatos e exílio, os chamados “Anos de Chumbo”.

Como se sabe, a Doutrina da Segurança Nacional, tem o seu gênesis na “geopolítica” (termo cunhado pelo cientista político sueco, Johan Rudolf Kjellén, em 1899). A palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia + política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial. PODER implica dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria, que podem ser culturais, econômicas, repressivas e/ou militares e que, portanto, não são só concernentes a geografia.

Assim, buscando a hegemonia –PODER E DOMINAÇÃO -na América do Sul, o Brasil também exportou a “Doutrina” e suas práticas para toda a região, especialmente para os países do Cone Sul. Desta forma, passou a atuar fortemente na formação de “agentes de inteligência”, ou seja, repressores mais qualificados, pois segundo essa doutrina “Todo o gesto humano é um gesto de guerra. A favor ou contra” (in Doutrina da Segurança Nacional <National Segurity> desenvolvida por COMBLAIN, Joseph). Foi o início de uma guerra, chamada depois de “guerra suja”.

Os primeiros cursos de formação de repressores e “arapongas” já se dá em 1965, um ano depois do golpe, funcionando nesses moldes até 1973, quando foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI), que recebeu a incumbência de formar os novos quadros das “forças de segurança”. Na nova escola eram ministradas aos alunos, além das disciplinas próprias da atividade de espionagem, aulas de línguas estrangeiras, de ideologias políticas, de história, etc…

Dentre vários e distinguidos alunos, podemos nomear Osvaldo Enrique Romo Mena, reconhecido torturador e um dos dirigentes da Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) chilena. É sempre importante lembrar que agentes brasileiros não só ajudaram a organizar a DINA, como também atuaram em conjunto com seus agentes em vários e tristes episódios. Além disso, nossos “especialistas” promoviam constantemente “conferências bilaterais” e intercâmbio de materiais produzidos em nossos “aparelhos de repressão”, que foram muito utilizados por seus similares em toda a nossa região. Exemplo: o “Dicionário de Termos e Expressões, Nomes e Siglas utilizados pelos Subversivos Terroristas”, elaborado pelo delegado de polícia brasileiro Edsel Magnotti, foi encontrado no Archivo del Terror (Assunção – Paraguai) e acabou por se constituir em uma fonte fundamental para a compreensão da atuação dos órgãos de repressão e os conceitos criados por eles. 

É importante sublinhar que os acontecimentos políticos institucionais ocorridos durante o ano de 1973, no Cone Sul, foram da maior relevância, pois no mês de junho tivemos o golpe militar no Uruguai e no mês de setembro o golpe militar no Chile. Os dois episódios tiveram decisiva participação da ditadura brasileira, que não admitia nos países vizinhos a ocorrência de experiências com governos de esquerda que viessem a estimular internamente a chamada “subversão” e, no exterior, dificultar a expansão de seus interesses econômicos.

Golpe de Estado de 27 de junho de 1973 no Uruguai

É importante observar que, no governo do Gen. Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), a promoção de uma duríssima repressão no plano interno contra toda e qualquer oposição ao regime, acabou por gerar também, consequências em toda a região, especialmente sobre o Uruguai e o Chile, sob forma direta de intervenções, sem sequer buscar a justificação doutrinária de “fronteiras ideológicas”.  Entre os dias 7 e 9 de dezembro de 1971, o então Presidente, gen. Médici, esteve em Washington, ocasião em que realizou várias reuniões com o Presidente americano Richard Nixon, o Assessor de Segurança Nacional, Henry Kissinger, o Secretário de Estado, William Rogers, e com o Gen. Vernon Walters, que seria em breve o novo subchefe da CIA.

Casa Branca

Em documentos norte-americanos que registram as referidas reuniões com o presidente brasileiro, Richard Nixon menciona a colaboração do Brasil visando influir nas eleições uruguaias, e Henry Kissinger sublinha o apoio de Garrastazu Médici à doutrina Nixon na América Latina. Segundo essa doutrina, uma nação como o Brasil exerceria o papel de potência regional subsidiária, atuando em favor dos interesses dos EUA. Os mesmos documentos nos relatam que, o general Médici, indagado por Nixon sobre a capacidade dos militares chilenos derrotarem a Allende, nosso ditador de plantão, respondeu solenemente que: “confiava plenamente na capacidade dos militares chilenos, em promoverem o golpe no país e, que o Brasil já estava trabalhando em conjunto para isso”.  Durante o encontro que teve lugar no Salão Oval da Casa Branca, Nixon aprovou a intervenção do Brasil no Chile.

Henry Kissinger

Trechos de documentos:

“O presidente NIXON assinalou que era muito importante que o Brasil e os Estados Unidos trabalhem juntos neste campo. Não podemos tomar certas atitudes, mas se os brasileiros entendem que podemos fazer algo para ajudar, ele (Nixon), gostaria que o presidente Garrastazu Médici o fizesse saber. Se necessitasse dinheiro ou outro tipo de ajuda discreta, poderíamos colocar a disposição. E, seria mantido tudo sob a maior discrição”.

Emílio Garrastazu Médici – Folha de S. Paulo

Outro trecho da conversa:

Nixon disse a Garrastazú Medice que, os Estados Unidos e o Brasil deveriam “evitar que acontecesse um novo Allende e novos Fidel Castro, na América Latina e, ao mesmo tempo, tratar de reverter esta tendência, onde fosse possível”. Nixon disse também: “esperava que pudessem colaborar estreitamente, pois havia muitas coisas que o Brasil, como país sul-americano, poderia fazer e, que os Estados Unidos não poderiam”.

A ditadura brasileira teve tudo a ver com o golpe militar no Chile

Desde 1971, agentes brasileiros do Serviço Nacional de Informações (SNI) atuavam no Chile buscando desestabilizar o governo de Salvador Allende e monitorando os exilados brasileiros, que naquele momento chegavam a mais de cinco mil pessoas.  E, para culminar, o próprio embaixador do Brasil no Chile, Antônio Cândido da Câmara Canto, estava envolvidíssimo com o golpe e com os golpistas que, rotineiramente, se reuniam em nossa embaixada!

GANHAMOS!

Com essa palavra, Câmara Canto, então embaixador da ditadura militar brasileira, comemorou o triunfo do golpe militar de Pinochet, para o qual ele, em nome da ditadura militar do Brasil, trabalhou intensamente. Um longo artigo publicado no jornal “La Tercera”, do dia 3 de agosto de 2003, sob o título “A ajuda secreta dos militares brasileiros”, afirma que o embaixador Câmara Canto era conhecido como o “[…] quinto homem da junta [militar]” por suas estreitas relações com os golpistas. Destacado pelo Itamaraty para servir no Chile entre 1968 e 1975, Câmara Canto estabeleceu estreitas relações com as mais altas figuras do Exército e da Marinha e, logo após o golpe, foi o primeiro diplomata a reconhecer e legitimar a Junta Militar de Pinochet. Câmara Canto chegou a receber do assessor da Junta Militar, Álvaro Puga, o reconhecimento:“Era um homem que estava ao nosso lado”.

Nathanael Davis (embaixador norte-americano quando do golpe militar), em seu livro “Os Dois Últimos Anos de Salvador Allende”, afirmou que o embaixador brasileiro havia tentado, em 1973, aproximar a embaixada dos Estados Unidos aos planos golpistas. “Durante um jantar, o embaixador brasileiro me fez uma série de convites (que não aceitei), para participar de uma coordenação de embaixadas, visando o planejamento cooperativo, buscando unir esforços, no sentido de provocar a queda de Allende”. (The Last Two Yers of Salvador Allende, by Nathaniel Davis – Hardcover / 1985 – USA. Considerado um exímio cavaleiro e grande colecionador de arte (segundo La Tercera), Câmara Canto era “profundamente antimarxista” e havia estabelecido uma grande amizade com o Gen. Sérgio Arellano Stark, um militar que foi peça chave no golpe e na posterior repressão.

Em setembro de 1975, Câmara Canto, por razões de saúde, deixou seu cargo em Santiago do Chile. No cocktail de despedida, compareceu o Gen. Gustavo Leight, membro da Junta Militar; logo após, uma comissão integrada pelos Generais Sérgio Arellano Stark e Herman Brady acompanhou-o até o aeroporto. O ex-embaixador dos Estados Unidos no Chile, Edward Korry, declarou em 1977 ao Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano que: “[…] tinha motivos para crer que os brasileiros haviam atuado como ‘conselheiros’ dos militares chilenos. [agregando] O apoio técnico e psicológico ao golpe, veio do Brasil.” (anais do Senado dos Estados Unidos da América / 1977 – Comitê de Relações Exteriores – tradução livre). Em 1985, o já referido embaixador Nathanael Davis narrou em seu livro: “A conexão brasileira foi confirmada por muitas fontes”. (The Last Two Yers of Salvador Allende – by Nathaniel Davis).

Quando, na tarde de 11 de setembro, os membros da Junta Militar presidida por Pinochet realizavam o juramento na Escola Militar de Santiago do Chile, receberam ali mesmo a visita do embaixador brasileiro, senhor Câmara Canto, como o primeiro representante de um governo estrangeiro a reconhecer a Junta que usurpara o poder. Não poderia ser diferente, pois tudo havia ocorrido de acordo com o planejado, não se fazendo necessário recorrerem à alternativa prevista em caso de fracasso do golpe. Ou seja, frente a um insucesso, os militares golpistas ingressariam no Clube Militar (que fica ao lado da Embaixada do Brasil), de onde, escalando o muro, encontrariam abrigo e refúgio seguro.

Um mês depois, em outubro, um telegrama da CIA (Central Intelligence Agency), enviado de Santiago para Washinton, dizia: Brasileiros libertados recentemente do Estádio Nacional, relataram que quando estavam presos naquele local, foram interrogados por pessoas que falavam fluentemente o português e, por isso, supunham que se tratava de “agentes dos serviços de inteligência”. (US Departament os State – Freedon Informacion Act – FOIA – tradução livre)

Também circulavam versões de que a ditadura militar brasileira havia, logo após o golpe, assessorado e ensinado técnicas de tortura aos militares chilenos e que todos os procedimentos seriam do conhecimento do embaixador. O apoio da ditadura brasileira a seus pares chilenos, não se limitou apenas e tão somente aos aspectos diplomáticos e econômicos, logo após o golpe, enviou grande quantidade de “material destinado à manutenção da ordem interna”, ou seja, armas e munição, como sempre, tomando o cuidado de mandar raspar as marcas que identificasse a sua procedência.

O acima relatado é comprovado por uma série de 266 telegramas confidenciais enviados e recebidos pela Embaixada do Brasil em Santiago do Chile, entre 1973 e 1976. Os referidos documentos revelam que a ditadura brasileira contribuiu com uma ajuda financeira de US$ 115 milhões (o valor atualizado corresponderia a R$ 1,3 bilhão), à ditadura chilena. O empréstimo foi feito a juros camaradas, que podiam ser pagos em até dez anos, mediante prestações semestrais. O dinheiro foi enviado em três parcelas para aquisição de equipamentos militares, açúcar, ônibus e caminhões, atendendo pedido do general Pinochet, que, por meio da chancelaria, declarou encontrar-se em grave situação.

A ditadura brasileira também acelerou a aquisição de cobre das jazidas chilenas, de tal forma que passou, em 1976, ao posto de maior comprador externo de cobre, desbancando a Alemanha.  No campo diplomático, o Brasil, a pedido da Junta Militar chilena, ocupou o status oficial de “protetor dos interesses do Chile” no México, na Polônia e na Iugoslávia. Considerando que esses países condenaram o golpe chileno, o Brasil assumiu a tarefa de representar o regime de Pinochet, o que compreendia as mais variadas tarefas desde negociar a chegada de presos políticos até quitar compromissos do serviço diplomático.

Troca de favores

Os telegramas também revelam o apoio do Brasil ao Chile, durante as discussões na Organização dos Estados Americanos, especialmente quanto à situação dos direitos humanos naquele país, uma vez que o relatório apresentado à época, registrava 3.225 mortos ou desaparecidos políticos. Nos foros internacionais, a diplomacia brasileira se absteve ou votou com o Chile as resoluções que pudessem constranger Pinochet.

“O projeto inicial bastante forte de moção condenatória do governo chileno foi ‘aguado’ por iniciativa das delegações brasileira e argentina”, diz um telegrama de 1975 sobre sessão no Parlamento Latino-Americano. Em contrapartida, o Chile apoiou inúmeros candidatos brasileiros a cargos em organismos internacionais. Os telegramas descrevem ainda como o Brasil operou para financiar a aquisição, pelo Chile, de um sofisticado sistema de comunicações “para a Interpol do Chile, cujo objetivo é capturar foragidos da Justiça de outros países”.

 Quando na verdade, documentos liberados pelos EUA afirmam que uma das principais ajudas do Brasil a concretização da Operação Condor, foi montar uma rede de telecomunicações que se constituiu em um instrumento essencial, cujo objetivo era cruzar dados e informações que ajudasse a capturar os perseguidos políticos de ambos.

Não foi por mero acaso que, nos primeiros dias do golpe militar, mais de 100 brasileiros que estavam no Chile sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) foram presos e levados para o Estádio Nacional, onde foram interrogados e torturados, inclusive por repressores brasileiros. Além do que, temos a lamentar a morte e desaparição de seis brasileiros, ocorridas naqueles dias de extrema violência produzida pelos militares chilenos.  Os fatos e números acima elencados, comprovam o papel protagônico do Brasil na ditadura chilena.

Cerca de vinte militares brasileiros viajaram ao Chile nos dias seguintes ao golpe militar de 11 de setembro de 1971, para interrogar os prisioneiros brasileiros que se encontravam no Estádio Nacional.  O grupo era comandado pelo ten. cel Cyro Etchegoyen, especialista em contrainteligência. Mas, já se encontravam operando em Santiago, o adido militar, coronel Walter Mesquita de Siqueira e Décio Barbosa, do Centro de Inteligência do Exército (CIE), e os sargentos Deoclécio Paulo e José Mileski, pertencentes ao Destacamento de Operações e Informações (DOI), do Rio de Janeiro.

Brasileiros mortos e/ou desaparecidos no Chile

Nilton Rosa da Silva – 24 anos de idade

“Bonito” o apelido carinho como era chamado por seus amigos.

Natural de Cachoeira do Sul (RS).

Pertencia às brigadas do MIR e foi assassinado em 15/6/73, por um tiro na cabeça, durante manifestação de rua em apoio ao governo de Salvador Allende, 87 dias antes do golpe.

O homicídio nunca foi apurado.

Túlio Roberto Cardoso Quintiliano

Fuzilado em 12/9/1973, no Regimento Tacma, sendo que seus restos mortais provavelmente estejam no Pátio 29, do Cemitério Geral de Santiago, em tumba NN.

Luis Carlos de Almeida

Preso em 14/9/1973 em sua casa (Santiago do Chile).

Após ser torturado, foi levado até uma das pontes sobre o rio Mapocho, onde foi fuzilado.

Nelson de Souza Kohl

Exilado na Argentina desde janeiro de 1971.

Em 1972 foi para o Chile, onde trabalhava no “Instituto de Estudios Economicos y Sociales”. Foi preso pela Força Aérea Chilena em 15/9/1973 e está desaparecido até hoje.

Wanio José de Mattos ou Vanio José de Mattos

Ex-capitão da Força Pública de São Paulo. Preso, é levado para o Estádio Nacional, junto com tantos outros brasileiros. Barbaramente torturado, veio a falecer sem ter recebido a menor atenção médica.

Jane Vanini

Fuzilada em 6/12/1974, em Concepción, Chile. Foi companheira do jornalista José “Pepe” Carrasco, editor da revista Análises, que também foi assassinado pela repressão chilena.

O relógio da História
Luiz Cláudio Cunha

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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