Neofascismo no Brasil
O poder desarmado
Fernando Safatle
O golpe de 1964 não se iniciou no momento em que o general Olímpio Mourão Filho colocou os tanques na estrada em Minas Gerais em direção ao Rio de janeiro. Ele vinha sendo gestado no bojo das agitações comandadas por Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas e que culminaram com seu suicídio. Amedrontados com a enorme repercussão popular de sua morte, a direita recuou. Investiu na posse de JK, mas foi novamente repelida, agora, com a firme atitude antigolpista do general Teixeira Lott. Mais uma vez tiveram que recuar. Resistiram com a posse de Jango. Eles neutralizados que foram com a mobilização nacional pela legalidade.
Comandada pelo então governador Leonel Brizola. Enfim, em 1964 consumaram o golpe, meticulosamente preparado desde tempos idos. Com Dilma Rousseff, em 2016, não foi diferente, acrescenta-se o fato de terem colocado nas ruas grandes multidões. No entanto, a Ponte para o futuro, programa de conteúdo neoliberal que justificava o golpe não conseguiu emplacar na sua plenitude.
Apesar de ter conseguido aprovar o teto de gastos e uma capenga reforma trabalhista. A direita queria mais. Veio o governo Jair Bolsonaro e Paulo Guedes na expectativa de radicalizar as reformas. Também não conseguiram entregar o que prometeram. Bolsonaro reclamou o tempo todo das dificuldades de governar pelos entraves com o Congresso Nacional e o STF.
Flertou com o golpe o tempo todo e não conseguiu consumar seu intento, pois, faltou apoio do Congresso, STF e das Forças Armadas, apesar de ter uma significativa militância pedindo intervenção militar. Perdeu as eleições e mesmo assim desencadeou um bloqueio através dos caminhoneiros das principais estradas pelo país em uma clara manifestação golpista, questionando o resultado das urnas e clamando na porta dos quartéis pela intervenção militar.
A firme decisão do Alexandre de Moraes arrefeceu as manifestações, mas depois de 15 dias não conseguiu debelar de todo o movimento, mostrando falta de unidade de comando e divergências com a PF e PRF. Mesmo assim, os golpistas foram golpeados, não se deram por vencidos, ao contrário, anunciam novas manifestações e prenunciam dificuldades ao governo Lula. Ora, tudo indica que nada do que está acontecendo é espontâneo e nem são fatos isolados.
Ou seja, tudo tem a ver, o fato de o Ministério da Defesa ter se recusado a divulgar o seu relatório depois do primeiro turno e só divulgou dias depois do segundo. A demora por 44 horas do pronunciamento do Bolsonaro e mesmo assim, não reconhecendo a derrota, a greve dos caminhoneiros logo nas primeiras horas depois do resultado das eleições, a presença na avenida Paulista de um escritório do trumpista Steve Bannon, tudo isso está conectado, articulados na tentativa de criar o caos e uma instabilidade institucional a clamar por uma intervenção militar.
O Brasil se transformou em laboratório para implantação de um neofascismo. Usam os caminhoneiros, como usaram na época de Salvador Allende, para provocar o caos e a insatisfação da população. Desgastam a justiça e o Congresso para se apresentarem contra o sistema opressor e justificar o golpe. A vida do Lula não vai ser fácil. Uma greve dos caminhoneiros durante seu governo tem um caráter explosivo.
Pior, estamos desarmados. Os movimentos sociais estão completamente desarticulados. Onde estavam quando os caminhoneiros bloquearam as estradas? A Gaviões da Fiel e a torcida organizada do Atlético Mineiro saíram às ruas. Assim mesmo, em pontos muito localizados. Na realidade estamos muito vulneráveis pelos embates que vão vir pela frente. Perdemos a batalha das ruas e a batalha ideológica. Lembro muito bem nos anos duros de combate a ditadura, a direita não tinha coragem de ir para rua e muito menos de enfrentar o debate ideológico. Hoje não, a situação mudou.
Querer não reconhecer toda essas dificuldades e uma correlação de forças pouco favorável e, por conseguinte, não se preparar em termos organizativos é cometer os mesmos equívocos do passado quando foi confiado apenas no dispositivo militar janguista para desarticular o golpe, ou, no caso de Dilma Rousseff nas forças congressistas para impedir seu impeachment. Em ambos casos, faltou o povo organizado nas ruas.