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Opinião

A reta final?

 

Daniel Aarão Reis Filho

Estamos na reta final, muitos argumentam, pensando no dia 30 de outubro próximo  Trata-se, sem dúvida, de um dia decisivo, quando a sociedade brasileira será chamada a decidir se quer ou não continuar com o tempo de horrores que tem sido proporcionado ao país pelas alianças políticas e partidárias que assumiram o poder desde janeiro de 2019.

É certo que o atual presidente é um mal em si mesmo, mas ele é sobretudo a expressão brasileira de um processo social e histórico que tem âmbito mundial, suscitado por uma revolução científico-tecnológica que tem subvertido em profundidade – e numa velocidade vertiginosa – todas as dimensões da vida social, envolvendo a economia, a política, a cultura, fazendo com que “tudo que é sólido se desmanche no ar”. Este processo tem provocado, conforme demonstrou Thomas Piketty, uma concentração demencial da riqueza, aprofundando dramaticamente as desigualdades sociais e favorecendo os grandes monopólios numa escala ainda desconhecida nos marcos da história do capitalismo. Tudo isto tem gerado nas gentes desconforto, angústia, desespero, desamparo.

A fome no Brasil

As forças democráticas não têm sido capazes de oferecer soluções para estes problemas, ao contrário, uma vez no poder, conciliam com as tendências monopolistas e o crescimento das desigualdades sociais, com a limitação dos direitos sociais, culturais e ecológicos, dificultado ou impedindo a “democratização da democracia”. Ou seja, sua extensão às vastas camadas populares, contribuindo, assim, mesmo que involuntariamente, para o descrédito das instituições e para a naturalização das desigualdades e da violência. Fortalecem-se, em consequência, lideranças políticas e propostas religiosas messiânicas, autoritárias, que adquirem dimensão popular e se espalham pelo mundo.

Entre outras, destacam-se o trumpismo articulado com as religiões neopentecostais nos Estados Unidos; as tendências autocráticas de V. Putin em comunhão com a Igreja Ortodoxa na Rússia; a democracia iliberal de V. Orbán, e os apelos de um cristianismo integrista na Hungria; a ditadura mal disfarçada de R. Erdogan na Turquia, aliada a correntes fundamentalistas islâmicas; o despotismo político na China, confirmado agora pela investidura ditatorial de Xi Jinping; o racismo institucional de N. Modi na Índia apoiado no integrismo hinduísta; a ditadura teocrática no Irã, chefiada por A. Khamenei.

Viktor Orbán, Hungria

Todas estas múltiplas formas de autoritarismo político, muito diferentes entre si, têm um ponto central em comum: consagram o desprezo pela democracia e pelos valores democráticos. Como nos anos anteriores à II Guerra Mundial, o autoritarismo já não se disfarça, afirma-se abertamente e sem complexos. Jair Bolsonaro e suas articulações religiosas com o neopentecostalismo exprimem, no Brasil, a reemergência de propostas autoritárias com base popular. Adquiriram força social e política graça à erosão do prestígio da mal-chamada “nova república”. Cavalgam na descrença dos valores democráticos. Farão tudo para impedir a posse de Lula e para infernizar o seu governo.

Palácio do Planalto

A campanha de Lula, ampliando alianças, consideradas indispensáveis para vencer o inimigo comum do regime democrático, pecou pela falta de propostas claras de como pretende governar. É certo que, premido pelas circunstâncias e por pressões diversas, esclareceu alguns pontos programáticos no contexto do segundo turno. Mas subsistem ainda muitas dúvidas e incertezas quanto ao rumo e ao sentido de seu governo. Ora, uma vez eleito presidente da República, Lula terá que formular opções. Não terá pela frente uma conjuntura internacional e nacional favorável como nos seus dois primeiros mandatos.

Simone Tebet [MDB-MS]
O mundo de hoje, vinte anos depois, transformou-se num cenário marcado por uma instável multipolaridade. Na Ucrânia, desenvolve-se uma guerra de resultados ainda incertos, com promessas de radicalização. Outros conflitos anunciam-se na Ásia e no Oriente Médio. Afirma-se igualmente a possibilidade de uma nova crise econômica de âmbito mundial, com redução de crescimento e mesmo recessão em vários países.

Ucrânia, 2022

No plano nacional, Lula será pressionado por uma extrema-direita raivosa, pela avidez tradicional do capital financeiro e pelos interesses de suas bases populares. Tentará equilibrar-se no seu estilo habitual de mestre em negociar e arbitrar conflitos, mas é duvidoso que estas habilidades serão suficientes para manter sob controle as tensões e contradições sociais emergentes. Neste quadro é uma ilusão imaginar que estamos numa “reta final”. Parodiando W. Churchill, a provável vitória de Lula não será o começo do fim, mas apenas o fim do começo.

Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin

As ameaças da extrema-direita bolsonarista só serão superadas se a democracia for ampliada e aprofundada em nosso país. Se a renda for efetivamente distribuída. O racismo, combatido com firmeza. A tutela militar, afastada. A segurança provida, não apenas para as classes médias e as elites, mas para todo o povo. As polícias, desmilitarizadas.

Os generais de Jair Bolsonaro

A devastação ambiental, erradicada. A educação e a saúde públicas, garantidas e aperfeiçoadas. A corrupção com os dinheiros públicos, controlada. Será virtualmente impossível alcançar estes objetivos apenas através da ação do Estado e de líderes carismáticos. Será imprescindível a mobilização e a auto-organização das gentes. Vivemos e viveremos ainda tempos sombrios. À espera, espreitam-nos grandes desafios. Decifrá-los e enfrentá-los será tarefa de uma geração.

Desmatamento da Amazônia

Daniel Aarão Reis Filho é historiador

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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