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A tristeza do poeta Pedro Tierra

Resta uma aliança na palma da minha mão

 Contra o olvido do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips

 

Corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips

 

A urna silenciosa

protege dos meus olhos

a carne destroçada

de um homem morto.

Essa é a insuportável verdade

que meus olhos

e meu coração

recebem das mãos de um estado cúmplice.

Para iludir o espanto do país

diante do horror,

do horror que nos assalta  

(e nos define),

a urna mortuária cerca

no contorno de sua madeira opaca,

      lacrada,

os ”remanescentes” do corpo

a caminho do pó e do esquecimento.

Alessandra: Poderá o poeta atender

à dimensão da dor que me devasta o peito?

À palavra que a língua recusa proferir?

Ouço a voz de Beatriz

quando o coro dos Xucuru entoa o Toré,

nessa tarde gris

e semeia as cinzas de Bruno

num caminho de estrelas

em véspera de explodir.

Sei que não haverá urna capaz

de encerrar sonhos partilhados.

E não haverá como prender

a canção que cavalga

os ombros do vento,

o voo das araras

vermelhas, azuis, canindés…

sobre o vale do Javari,

a ternura entoada

pela voz de povos-criança,

últimos descendentes

da inocência do mundo.

Curiosa gente

que designamos selvagens,

antes de matá-los.

II.

Reerguer a memória da tarde.

Inscrever, na pedra, no metal,

  no silício,

em todas as telas que fragmentam

nossa percepção do real,

os nomes: Bruno Pereira,

    Dom Phillips.

Como um sinal.

Cortados assim à fogo

que a um só tempo queima e ilumina.

Para nos condenar à vigília

e manter acesa a memória da barbárie.

E dizer a quem nos queira ouvir:

somos a nação que pratica

e recusa a barbárie.

E fundir, por fim, com a luz de suas vidas

uma aliança como a que resta

na palma de minha mão.

Uma aliança que clama por justiça

contra a maldição do olvido.

Pedro Tierra

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