Estradas da revolução de Euler Ivo Vieira
Memória, Verdade a Justiça
A intensa vida de
Euler Ivo Vieira
68, China, guerrilhas, três prisões, três casamentos com a mesma mulher
Renato Dias
A ideia era tomar o céu de assalto. Como os ‘comunards’. Em Paris, França. Por exatos 72 dias consecutivos. Ano de 1871. Século XIX. Assim como obter o mesmo protagonismo dos vietcongs. Em uma guerra assimétrica. Contra os Estados Unidos das Américas [EUA] e a sua espetacular indústria militar. O Tio Sam tomou uma surra. Nascido no município de Piracanjuba, Estado de Goiás, Centro-Oeste do Brasil, radicado em Goiânia, aos 19 anos, magérrimo, alto, olhos claros sedutores, ele partiu após o AI – 5, decretado em 13 de dezembro de 1968, sob a ditadura civil e militar, à China. De Mao-Tsé-tung. É Euler Ivo Vieira. Mais: um revolucionário sem fronteiras.
1968. O ano que não terminou, diz Zuenir Ventura. Sem autorização da diretoria do Atheneu Dom Bosco, tradicional escola privada de linhagem católica, ele entra nas salas de aulas. Um garoto de 13 anos de idade impressiona – se com o seu discurso. Verve inflamada. Explosiva. Um carbonário. É o seu pontapé para a participação, no ano mágico, no movimento secundarista. Depois, na AP. Com o AI-5, luta armada. Na VAR – Palmares. É preso, torturado, executado e desaparecido. Desde maio de 1970. O mais novo do Brasil: 15 anos. Marcos Antônio Dias Baptista. A sua mãe, Maria de Campos Baptista, morreu, em 2006, em acidente como Zuzu Angel.
Nas ruas em 1968
Ex-presidente do Grêmio Livre do Colégio Estadual Pedro Gomes, em 1967, eleito diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, em 1968, ao lado de Bernardo Jofilly, que se mudaria depois para a Albânia, um novo farol do socialismo realmente existente, ele faria cursos teóricos, políticos e de luta armada. Na Academia Militar do Nanquim. Ao lado de Paulo Stuart Wright, Ruy Frazão, Maria José Jaime. O membro da Ação Popular [AP] virou um ‘expert’ em atirar com a Kalashnikov. Em montá-la e desarmá-la. Registro: com uma alta performance obtida em treinamento de tiros, fabricar explosivos e de aprender a sobreviver. Tempos de revolução.
A volta à Pátria em Chuteiras ocorre em 1970. O guerrilheiro chega a dormir noites no aparelho de Honestino Monteiro Guimarães, presidente da UNE. Em São Paulo. Antes, 2 de abril de 1968, Goiânia, em ato de repúdio ao assassinato de Edson Luís de Lima Souto, Restaurante Calabouço, Cidade Maravilhosa, PM de Goiás, PF e Deops [Go] saíram para caçá-lo e atiraram em Ornalino Cândido da Silva. O ativista muda-se para o Rio de Janeiro. Epicentro das revoltas. Com participação na passeata dos 100 mil. É preso, amarga um tempo atrás das grades e acaba solto por um Habeas Corpus obtido pelo advogado de presos políticos Rômulo Gonçalves. Um humanista.
Uma segunda prisão. Já no mês de julho de 1971. São Paulo, capital. Centro do PIB e da repressão. Acusação: portar material subversivo. Terrorista. Com documentos falsos, história inverossímel, consistente, com início, meio, fim, as pontas amarradas, impossível de ser checada, é solto. A liberdade. 24 horas depois. As missões da AP: integração na produção e revolução. Área: Chapada da Diamantina. A Operação Pajussara havia liquidado a guerrilha rural do MR-8 no mesmo Estado. Com as mortes de Iara Iavelberg, Nilda Cunha, Zequinha Barreto e Carlos Lamarca. César Benjamin, menor, enfrentou cinco anos de prisão. Três anos e meio em solitária. Depois, exílio na gélida Suécia.
Clandestinidade
Maria Isaura Lemos, nascida em Jundiaí, moradora de Campinas, Estado de São Paulo, integrava a Juventude Estudantil Católica [JEC] e executa tarefa clandestina. A de trocar correspondências em Goiânia. O trajeto é realizado de ônibus. Tanto na ida quanto na volta. A família a ser contactada era a de Euler Ivo Vieira e Marina Vieira, presa política torturada. O odontólogo Luiz Carlos Lemos faz tratamento dentário no líder da AP. Euler Ivo Vieira e Maria Isaura Lemos engatam um romance. Marina Vieira viaja até Campinas, é enviada a Santiago, Chile, cai no Estádio Nacional, em 11 de setembro de 1973. Ela vê o golpe na Argentina e voa à França. Europa.
Para fugir da repressão política e militar se casa três vezes. Cartórios, cidades e nomes diferentes. Com a mesma mulher: Maria Isaura Lemos. Na primeira união formal, o casal usa os nomes de Maria Isaura Lemos e José Moreira Gomes. Já na segunda, os de Ana Maria Salgado e Pedro Afonso Pereira. Na terceira e última: Euler Ivo Vieira e Maria Isaura Lemos. Amiga do clã, Marília Cunha obtém certidão de óbito e guia de sepultamento para o nome falso utilizado no primeiro matrimônio: José Moreira Borges. A primeira filha do casal nasce no Acre. É batizada como Elenira Tatiana. Em memória da guerrilheira do Araguaia Helenira Rezende. Morta a sangue frio
Bernardo Jofilly e Darcy Ribeiro
Maíra Lemos, a segunda. A sugestão do nome é de Bernardo Jofilly. Uma referência ao livro de Darcy Ribeiro. Júlia Lemos Vieira, a caçula. A AP é incorporada ao PC do B em 1972. Euler Ivo Vieira, com missões secretas. Clandestinas. Santos, Ilha Bela, Bahia, Acre. Norte do Brasil. Ele cai. A terceira prisão. Ao mobilizar trabalhadores. Quinze dias de cana. Já em 1979. Uma luta contra os grileiros. Com a Anistia, volta a Goiânia, funda o Movimento Contra a Carestia, o MLCP, preside o PC do B, se elege vereador e suplente de deputado federal. Ele ainda crê, apesar da distopia de Jair Messias Bolsonaro, que o socialismo é o ‘futuro luminoso da humanidade’.
História
O maior agit-prop do Brasil
Revelações de Jean-Marc von Der Weid a Betty Almeida
Lembranças do passado: Isaura Lemos
À espera da revolução
Área de influência da extinta Ação Popular, saiu às ruas, em Campinas. Bela, cult e descolada, executou missões especiais. Já que não estava no radar da repressão política e militar. Em uma delas entrou em contato, em Goiânia, com a família de Euler Ivo Vieira. Os dois engataram romance que dura até hoje.
Luta clandestina
Saiba mais
Para entender
O que foi a Ação Popular?
A Ação Popular [AP] teria sido fundada, em fevereiro do ano de 1963, na Capital da Bahia, terra de todos os santos, Salvador, em um Congresso Nacional. Com uma plataforma republicana, não patrimonialista, socialista. De esquerda. Antes do golpe de Estado civil e militar de 1964.
Carlos Alberto Libânio de Christo, Frei Betto; Herbert de Souza, o Betinho; o irmão do Henfi; Aldo Arantes, presidente da União Nacional dos Estudantes [UNE] em 1961, sob a Campanha da Legalidade; aparecem na relação dos fundadores da nova organização política revolucionária.
Militantes da Ação Popular teriam executado ação revolucionária, em 1966, no Aeroporto de Guararapes, Recife, Estado de Pernambuco, Nordeste do País. Para atingir o ministro do Exército, general Arthur da Costa e Silva. Com a explosão de artefafos. O saldo de mortos e feridos.
A Ação Popular disputava a hegemonia no movimento estudantil. Tanto secundarista quanto universitário: UNE e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas [UBES]. Jean-Marc von Der Weid, Honestino Monteiro Guimarães, José Serra, Jô Moraes, Euler Ivo Vieira, os seus quadros.
A primeira ruptura na Ação Popular ocorreu em 1967. Nasce o Partido Revolucionário dos Trabalhadores [PRT]. Do padre Alípio Freire. Segunda, os dominicanos, como Frei Betto, migram à ALN. Terceira, com a incorporação ao PC do B, a Ação Popular Marxista Leninista [AP-ML].
Ex-presidente da UNE, preso e torturado, com cidadania suíça, exilado sob a ditadura civil e militar, Jean-Marc von Der Weid havia informado que Ação Popular optou, já em 1980, por dissolver-se no Partido dos Trabalhadores. Fundado em 10 de fevereiro do mesmo ano. [RD]
A foice e o martelo
De 1922 a 2022
A história dos comunistas no Brasil
Por nove operários, o Partido Comunista do Brasil [PCB] é fundado em 25 de março de 1922, no município de Niterói, Rio de Janeiro. Uma breve legalidade é obtida com a criação do Bloco Operário Camponês [BOC]. A seção brasileira é integrada ao Komintern, a Terceira Internacional, a central mundial da revolução, no ano de 1924. PCB, ALN e Terceira Internacional deflagram uma tentativa de tomada de poder, em 27 de novembro de 1935. É derrotada no Rio de Janeiro, Estado de Pernambuco e chega a assumir o governo no Rio Grande do Norte. O sonho acaba.
Getúlio Vargas e Filinto Muller operam violenta repressão. Com violações dos direitos humanos. Nunca investigadas. Luiz Carlos Prestes é preso e permanece de 1936 a 1945 atrás das grades. Olga Benario, a sua mulher, alemã, é deportada grávida de Anitta Leocádia, para as terras de Adolf Hitler, que ascendera ao poder em 1933. Com o Nacional-Socialismo. O Nazismo. O Estado Novo é instalado em 10 de novembro de 1937. Uma ditadura escancarada que dura até o ano de 1945. Getúlio Vargas é deposto, o PCB é legalizado e elege 14 federais e um senador.
O PCB, dois anos depois, é colocado na clandestinidade. Uma ruptura ocorre em 17 de fevereiro do ano de 1962. João Amazonas, Ângelo Arroyo, Pedro Pomar, Diógenes Arruda, João Batista Drummond retomam o nome original da sigla da foice e do martelo, Partido Comunista do Brasil. Com a estratégia à esquerda. Em novembro de 1964, expropria armas e munições do Tiro de Guerra do Exército Brasileiro, em Anápolis, Estado de Goiás. Militantes são enviados para treinamento político, teórico e de guerrilha na China, na Ásia. A partir do ano de 1966.
A ideia executada é montar as bases da guerrilha na Região do Araguaia. Para cercar a cidade pelo campo. Teoria formulada por Mao-Tsé-tung. Área localizada no Norte do Estado de Goiás, atual Tocantins, Pará e Maranhão. De 1966 a 1972. O trabalho é interrompido. Quedas levam as Forças Armadas [Exército, Marinha, Aeronáutica, Dops, PM, PCs, PF, SNI] ao local. Três operações. Documento confidencial enviado a Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA sob Richard Nixon, por Willian Egan Colby, diz que Ernesto Geisel autorizara as execuções.
Depois de liquidada a guerrilha do Araguaia, os corpos dos guerrilheiros foram queimados na Serra das Andorinhas. O último golpe é a infiltração de um cachorro, Jover Telles, na reunião do Comitê Central do PC do B, em 16 de dezembro de 1976, realizada no Bairro da Lapa, São Paulo, capital. Ângelo Arroyo, Pedro Pomar e João Batista Drummond são executados. A sangue frio. Aldo Arantes, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, em 1961, durante a Cadeia da Legalidade, e Elza Monnerat, revolucionária, são presos e torturados. Crimes imprescritíveis.
O PC do B, que havia incorporado a AP, apesar da dissidência e resistência da AP – ML [Ação Popular Marxista Leninista] e o PCB são legalizados sob a Nova República. Os comunistas integram a Frente Brasil Popular [PT, PSB e PC do B], em 1989, e chegam ao segundo turno com o ex-operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de mais duas derrotas, 1994 e 1998, sobem a rampa do Palácio do Planalto e permanecem de 2003 a 2016 no poder, em Brasília. Um golpe de Estado líquido, pós-moderno, depõe Dilma Rousseff. A luta continua em 2022. [RD]
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