Che, 54 anos depois
Che, 54 anos depois
9 de outubro de 2021 marca os 54 anos da captura e posterior execução, pelo exército boliviano a mando direto dos EUA, do guerrilheiro argentino Che Guevara. Reproduzimos artigo publicado em 2002 pelo PT-Paraguai, partido ligado à LIT-QI, sobre essa complexa figura histórica que ficou inscrita para sempre no imaginário revolucionário latino-americano
Ernesto Guevara de la Serna, o Che Guevara, aderiu à revolução cubana, segundo suas próprias palavras, porque acreditava que aquele era um ideal pelo qual valia a pena morrer em uma praia distante e desconhecida. Ainda antes da revolução, se reconhecia como comunista. Sempre esteve na ala esquerda da guerrilha, propondo uma reforma agrária radical e discordando dos dirigentes do Movimento 26 de Julho, que tinham uma visão democrático-burguesa da revolução. Também foi o que primeiro lutou contra as tendências burocráticas no interior do Estado cubano. Exemplar é o fato de jamais ter aceitado os créditos extras dados aos dirigentes da revolução e aos que estavam nos altos cargos do governo.
Seus colaboradores mais próximos relatam que, no dia em que assumiu o Ministério da Indústria de Cuba, teria dito: “Aqui ficamos cinco anos e então faremos outra guerrilha”. O grande projeto do Che sempre foi a revolução latino-americana e, em certa medida, a revolução mundial. Mas nesta mesma frase, em nossa opinião, se encerra a principal contradição do Che: seu internacionalismo radical versus uma concepção de luta pelo poder fundada no método guerrilheiro como um princípio político e organizativo.
Para Che, a Revolução era antes de tudo uma questão de que os revolucionários desejassem fazê-la. Mais de uma vez postulou e estimulou que pequenos grupos de vanguarda se armassem e começassem já a luta armada. Assim o diz expressamente em seu Guerra de Guerrilhas, “nem sempre há que esperar que se deem todas as condições para a revolução; o foco insurrecional pode criá-las”. A necessidade do partido revolucionário, como porta-voz de uma política para mobilizar e organizar as amplas massas operárias e populares, era por ele desprezada. A ação e organização revolucionárias seriam forjadas pelo exemplo do foco guerrilheiro: a guerrilha seria a “bota de sete léguas” que encurtaria o caminho para a revolução.
Esta concepção será alimentada pelo grande impacto da revolução cubana sobre a América Latina e pela decepção com a traição e paralisia dos partidos comunistas. Leal à sua doutrina, no começo de 1965, Che partiu em segredo para o Congo, que se encontrava afundado numa guerra civil, onde liderou uma tropa composta majoritariamente por negros cubanos, com o objetivo de melhorar o nível dos combatentes congoleses, em sua maioria supersticiosos e pouco preparados militarmente. O balanço desta experiência é resumido por um Che amargurado: “Levei os cubanos ao Congo com a esperança de cubanizar os congoleses, mas ao final foram os meus cubanos que estavam congolizados”. Apesar da derrota, traçou novos planos, uma guerrilha internacional na Bolívia como coluna mestre de outras a serem criadas no Brasil, Argentina e Peru.
Evidentemente, não se pode pedir a um gigante que cometa erros de anões. O exemplo e as teorias do foco guerrilheiro estimuladas por Guevara levaram uma geração inteira a partir para a guerrilha. Esta aventura – heróica é verdade, mas ainda assim uma aventura – ceifou milhares de vidas, inclusive a do seu mais dedicado incentivador, o próprio Che, que cairia nas mãos do Exército boliviano em 8 de outubro de 1967 e seria assassinado um dia depois. Tinha 39 anos, segundo seus carrascos media 1,73 e pesava apenas 48 kg. Mas Che jamais pensou na revolução como algo nacional. Argentino de nascimento, lutou pela primeira vez na Guatemala contra um golpe militar pró-ianque que derrubaria o governo de Jacobo Arbenz. Derrotado, foi para o México, onde conheceu Fidel Castro.
Novamente parte para lutar em outro país, Cuba. Vitorioso, estimulou seu amigo, o guatemalteco Pantojo, a começar uma guerrilha na Guatemala. Na Argentina, contatou seu amigo Masetti, que seria nas selvas do norte de Argentina o Comandante Segundo. No Brasil, contatou Marighella, recém rompido com o PCB. Na Bolívia, juntou-se a jovens dissidentes do PC. Simpatizou com a luta dos camponeses peruanos dirigida pelo trotskista Hugo Blanco. Dizia sempre que se dispunha a unir-se a todos que estivessem por fazer a revolução, sem sectarismo.
Carlos Mariguella
Em uma exposição onde debate a fixação de preços justos nas relações econômicas entre países socialistas, observa: “Não há fronteira nesta luta de morte; não podemos permanecer indiferentes ao que ocorre em qualquer parte; uma vitória de qualquer país sobre o imperialismo é uma vitória nossa, assim como uma derrota de qualquer nação é uma derrota para todos”. Quando o conflito do Vietnã explode, lança um chamado “criar dois, três… muitos Vietnãs é a palavra-de-ordem”. Acusa os partidos comunistas tradicionais de se “solidarizarem” em palavras com o povo do Vietnã e nada fazerem. Além disso, entra em choque com a política soviética de vender armas aos movimentos revolucionários ao invés de doá-las, acusa o comércio exterior da URSS de utilizar os mesmos critérios que os países capitalistas: “Como pode significar benefício mútuo, vender a preço do mercado mundial as matérias-primas que custam suor e sofrimento sem limites aos países atrasados e comprar a preço de mercado mundial as máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas do presente ?”
Porém, na Bolívia, sua obsessão pelo método guerrilheiro o fez virar as costas para os operários mineiros que, por essa época, realizaram uma insurreição e lançaram várias declarações de apoio à guerrilha do Che. Os dois grupos jamais atuariam em conjunto, e a insurreição mineira de 1967 seria afogada em sangue a menos de 100 quilômetros do local onde Guevara e sua guerrilha lutavam. Segundo os captores, pouco antes de morrer teria afirmado sua fé inquebrável no socialismo e no futuro da revolução latino-americana. O homem morreu, a lenda nasceria logo em seguida.