Francisco Celso Calmon
Opinião

Partido de esquerda e luta de classes

Exclusivo

Partido de esquerda e luta de classes

Uma questão organizacional

Francisco Celso Calmon

Virou lugar comum os partidos à esquerda assertivarem a desconexão com a base social, bem como a necessidade de equilibrar o peso da luta institucional com a luta social. Em teoria há consenso de que a luta social é em última instância a que pode garantir a sustentabilidade da democracia. Em outras palavras: sem organização popular e consciência social a democracia é frágil.

A história já demostrou que as instituições tanto garantem como golpeiam o Estado democrático de direito. Em última análise: não são confiáveis, pois vivem em função dos interesses das classes dominantes, que, quando são desagradadas, conspiram e acutilam, sem dó, a democracia. A democracia institucional no Brasil é frágil. A democracia de raiz, de baixo para cima, nunca existiu. Porém é imprescindível. Construir esta democracia é tarefa longa e árdua. Os partidos à esquerda são paradigmas e arautos dessa construção, entretanto, não saem do discurso. Ficam no pensamento desejoso, explicitado em narrativas e resoluções.

O segmento partidário envolvido na luta institucional tenderá sempre, por razões óbvias, a ter mais peso, pois tem recurso financeiro e poder, inclusive para cooptar o segmento social. Em decorrência, a balança organizacional preponderará para esse lado, e os discursos de alteração não passarão de retórica. A estrutura organizacional partidária ou continuará como a torre de Pisa ou necessitará de radical alteração para possibilitar o equilíbrio necessário entre a luta institucional e a luta social de um partido efetivamente de esquerda guiado pelo eixo da luta de classes.

Essa mudança encontrará pela frente Vossas Excelências da boca torta do cachimbo de “artoridade”, mesmo que implícitos. Os quadros detentores de mandato público detêm certas prerrogativas na estrutura partidária. Não é necessário a retirada dessas prerrogativas, mas que sejam estendidas para os quadros detentores de cargos em diretoria de centrais sindicais, de movimento sociais e culturais, de amplitude nacional. O quadro de paletó e gravata ao lado do de macacão e camisa listada. Como fazer? Atualmente as organizações partidárias são vocacionadas para as eleições. Temos eleição de dois em dois anos, municipal ou estadual e nacional; em quatro anos completa o ciclo de renovação. De forma correspondente há os diretórios municipais, estaduais e nacional, direcionados para esse mister.

Essa inclinação, quase total, procura ser levemente compensada com os núcleos, comitês e secretarias, representativas do social ou identitário, com assentos periféricos nas instâncias decisórias, (uma espécie de “cala a boca”). Essa estrutura organizacional é a causa objetiva da inclinação, a la torre de Pisa, para o institucional, e a secundarizacão da luta de classes. Isto tem que mudar, está necrosado. Fazendo uma comparação: imaginem uma empresa que quer, além de produzir, vender seus produtos, mas não tem um departamento de vendas, quer exportar sem ter um departamento voltado para exportação, deseja estar com saúde financeira sem ter contabilidade de custos.

Somente via eleição não haverá a revolução social, democrática e popular. O desenvolvimento organizacional deverá estar consoante aos objetivos estratégicos de cada partido de esquerda. Para não continuar sendo como a torre de Pisa, a proposta é a existência de duas torres como vigas-mestras da organização partidária. A estrutura atual viraria a torre institucional. A segunda, a ser criada, seria a torre social. A institucional permanece como está, porém, sem núcleos, comitês e secretarias. Estará voltada para os mandatos e eleições, prioritariamente. A social, paralela à institucional, estará estruturada em núcleos na base, e comitês nas direções; comitês municipais, estaduais e nacional, voltadas preferencialmente para a luta social, no chão da cidade, do campo, do trabalho, das escolas, nas entidades e movimentos.

As vigas-mestras terão

comando único no plano

municipal, estadual e nacional

Diretórios mais Comitês elegem um Comando. Comandos municipais, estaduais e nacional. O processo de escolha das direções seria numa mesma eleição direta pelos filiados, à exceção dos Comandos, que seriam por escolha indireta pelas executivas dos diretórios e comitês. Autocrítica é corrigir erros, é aperfeiçoar acertos, não é flagelo – mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa – é ir às causas, e, para tanto, há de existir coragem.

Estamos caminhando para inaugurar uma nova quadra histórica e não dá para ficar para depois, geralmente para a as calendas, as muitas correções reconhecidas como imperiosas.  Não ocorrerão se faltar coragem política para fazê-las. Será hipocrisia se no futuro alegarem que faltou experiência ou que errar é humano – não, não será, será repeteco, será burrice dolosa. Os destroços causados pelo bolsonarismo e a recomposição do Estado democrático de direito nos coloca no estreito caminho de um governo de transição, sob um novo pacto. Contudo, não pode ser um fim em si mesmo, não pode ser uma camisa de força política e ideológica na esquerda. A legitimidade popular será obtida, a médio prazo, numa Assembleia Constituinte. A correlação de forças não fica congelada, operar a luta de classes através da tríplice atividade de formação, organização e fomento da protagonismo das classes trabalhadoras (FOP) é permanente e continuada.

Jair Messias Bolsonaro

Democracia e capitalismo coexistem por um tempo, mas não por todo o tempo, em essência são contraditórios. No tempo de coexistência é o período de fomento e fermento na construção da organização e consciência de classe, para que, quando surgir o antagonismo, partidos e trabalhadores estejam preparados para a ruptura inevitável. Sem preparação subjetiva e objetiva para a ruptura haverá retrocesso, via golpes, clássicos ou híbridos. A história da América Latina é rica de exemplos. Não adianta saber se dela não tirarmos as lições devidas e proagir para evitar os golpes e fazer a ruptura.

O dilema histórico voltará a ser posto objetivamente: ou golpe e retrocesso pela direita ou ruptura pela esquerda. “Eu acho que se eu conhecesse o tanto de história que eu conheço hoje há 50 anos atrás, eu teria virado um revolucionário. Por não saber, eu virei um político democrata. A diferença é que tenho lado.” (Luiz Inácio Lula da Silva, declaração no jornal argentino P12, setembro de 2019).

Luiz Inácio Lula da Silva
Luiz Inácio Lula da Silva

O Papa Francisco se dirigindo à juventude brasileira, quando esteve no Rio de Janeiro, exortou: Sejam revolucionários! Lula não será um revolucionário e nem o Papa. Mas não serão antirrevolucionários. Conhecer a história brasileira, adquirir a consciência de rejeição ao pretérito de escravidão, golpes, autoritarismos e ditaduras, é o primeiro passo. Conhecer a história pendular da esquerda brasileira entre a conciliação de classes reformista e o esquerdismo, é o segundo passo. Encontrar o caminho dialético das reformas democráticas via luta de classes, é o desafio histórico.

 

Papa Francisco

Francisco Celso Calmon é administrador, advogado e analista de TI, escritor, ex-coordenador da RBMVJ, coordenador do canal pororoca.

Francisco Celso Calmon

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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