Fernando Casadei Salles
Política

Golpe? Depende…

explosivo
explosivo

Golpe? Depende…

Fernando Casadei Salles

O país há tempos vive envolvido em clima de golpe de Estado eminente, com a perspectiva de ruptura radical da presente ordem constitucional. As opiniões se multiplicam e se diferencias de acordo quanto com as variações conjunturais permanentes na vida política brasileira. Talvez fosse necessário, para fugirmos de uma questão sem fim, subjetiva, que recolocássemos a referida indagação de outra perspectiva tanto histórica como conceitual.

Braga Neto

Inicialmente, precisaríamos compreender que o conceito de golpe de Estado neste início de século XXI difere do conceito tradicional caracterizado pela ruptura da força militar da ordem constitucional. A compreensão da metamorfose acontecida em relação ao conceito de golpe de Estado é fundamental por que ela desloca do papel de sujeito central da ação, o tradicional protagonismo do poder militar.

Como não se trata mais do golpe de Estado como ruptura, a força militar, que propunha com seu aparato militar a tomada do poder político, deixa de fazer sentido. Não que ela deixe de fazer parte da ação política, tão somente ela deixa de ser a protagonista central das forças políticas presentes na sociedade. Isto porque a nova conotação de golpe de Estado se desloca do conceito de ruptura institucional realizada pela força bruta, força militar, para o conceito de metamorfose do poder político e institucional.

As forças armadas continuam com papel de importância no processo, mas simplesmente coadjuvam e não determinam mais o rumo da ação. Elas apenas sustentam ou não a metamorfose sobre a qual o poder político dissimula o antigo conceito de golpe de Estado. É nesse sentido que a análise política deve observar o posicionamento a ser seguido pelas forças armadas.

A visão das forças civis chamando a intervenção militar, quando acontecer, se acontecer, deverá ser simplesmente como anacronismo histórico. O novo poder político de fala quanto ao golpe de Estado, ao invés de se contrapor à ordem jurídica institucional, se compõe com ela. E no detalhe, a nova ressignificação da tática política do golpe de Estado não se anuncia. Ele simplesmente se desenrola, acontece. Que golpe? Qual golpe?

Isto por que ele se ampara, ao contrário do antigo conceito que pressupunha a ruptura, na nova ressignificação da permanência da antiga ordem constitucional. Toda conjuntura é legalmente compreendida nos seus aspectos constitucionais. Por essa razão pode-se perguntar qual jurista ousaria questionar a legalidade do rito jurídico parlamentar aplicado ao impeachment da Presidenta Dilma?

Dilma Rousseff

A legalidade é inquestionável. Ele foi plenamente legal, enquanto o parlamento cumpriu os ritos estabelecidos na Constituição Federal, o STF garantiu o livre direito ao contraditório. Dessa perspectiva não há o que questionar. O que se desenvolveu aconteceu como os juristas gostam de afirmar “fora dos autos”.

Ou seja, mudou o conceito de golpe. Saíram as legiões do poder armado e entraram em cena os novos protagonistas juristas e parlamentares. É dessa contextualização que decorre a normativa orgânica social do novo conceito de golpe de Estado. Talvez nem em trezentos anos pelo conceito de legalidade institucional, baseado em eleições livres, seria possível aprovar qualquer uma dessas leis. O que provou do ponto de vista ultraconservador a necessidade do golpe de Estado. O novo desafio a ser enfrentado consistiu na legalização final do golpe através de uma vitória eleitoral. Por acaso ou por marketing, o script da história favoreceu a continuidade.

Eduardo Villas Bôas
Eduardo Villas Bôas

Sem subestimar naturalmente a ajudazinha dada pelo twitter do general Eduardo Villas Bôas ao STF por ocasião da votação do habeas corpus requerido pela defesa do ex Presidente Lula que, caso beneficiado, o habilitaria para a disputa da presidência da República, cujas pesquisas o mantinham a frente com grandes possibilidades de vitória. Ficará para a história o peso da singela contribuição do Gal que confessa não tê – lo feito por arbítrio pessoal, mas sim de acordo com o Alto Comando do Exército, e o acatamento ou não do STF aos termos do twitter do general. A história com mais tempo fará justiça: quem fez mais por ela, o twitter do general. Ou a decisão do STF.

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

Dada a ressignificação do conceito de golpe, por si mesma, ela não garante o êxito da ação golpista. Em medida cada vez mais crescente, precisa se conectar com a dinâmica globalizada das nações. Na realidade anterior, onde se contextualizavam os golpes de Estado por ruptura constitucional, as nações manobravam suas situações internas com certa relatividade. A simples vontade nacional, desde que compatível com as tramoias geoestratégicas da guerra fria, dispunha de liberdade de ação.

As relações internacionais entre os EEUU e o Brasil em 1964 são exemplos significativos da margem de manobra que, no limite, expressavam os interesses mútuos da geoestratégia dos EEUU com os interesses dos setores civis militares nacionais interessados no golpe de Estado. Foi com o lema de que o que era bom para os EEUU era bom para o Brasil, que a ditadura brasileira obteve para sua causa o respaldo internacional.

Golpe de Estado de 1964
Golpe de Estado de 1964

É bom que se acentue que apesar da necessidade de apoio internacional, o golpe de 1964 foi obra nacional. Atualmente, no entanto, a ideia plena da soberania nacional está irremediavelmente atenuada por duas razões básicas. A primeira decorre das consequências globais acarretadas pelas ideias de bem-estar e consumo adotadas em escala mundial.

O que tem acarretado riscos uns mais visíveis outros menos à comunidade mundial de maneira geral. Como por exemplo a questão da crise do clima, meio ambiente, crise sanitária, poluição dos mares, crise hídrica do planeta, etc. que, pelas características globais requerem respostas igualmente globais.

As respostas nacionais só se impõem desde que compatíveis com as ações definidas como diretrizes globais. A pergunta que se faz diante dessa nova maneira de trabalhar as relações internacionais é se os sujeitos do eventual golpe de Estado no Brasil aceitariam mudar radicalmente sua política ambiental? Ou como considerar a água que corre no território brasileiro como reserva nacional ser agregada a reserva mundial?

A outra mudança, a segunda que cabe registrar, diz respeito a mudança da economia mundial que, além de requerer mudanças inerentes aos riscos globais de uma economia mundial cada vez mais integrada, exige uma economia nacional integrada ao desenvolvimento de uma economia global. Ao contrário de entender a economia nacional nos marcos dos séculos XIX ou XX, do nacionalismo desenvolvimentista, o desafio é desenvolvê-la no quadro de uma economia globalizada.

Para resumir, tanto em relação aos riscos planetários acontecidos pelas diferentes formas de vida sobre a Terra como pela necessidade da introdução de uma nova racionalidade na economia mundial é que pode – se dizer que o mundo que girava em torno das nações agora gira as nações em torno do mundo.

Enfim…essa mudança de contexto internacional obriga, mesmo que ainda sejam mais em forma de tendência, que as medidas nacionais internas de política, de economia, de meio ambiente, etc., não entrem em conflito com os interesses gerais globais. O que cabe responder, portanto, para finalizar o artigo não é se haverá golpe de Estado ou não, ele já houve, mas sim se ele se viabilizará definitiva e estrategicamente até o próximo verão. Ou se exporá ao ridículo do anacronismo histórico. Golpe? Depende…

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

Avatar photo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *