A ausência do choro da mãe
Sem a mãe para chorar por
João Carlos Haas Sobrinho
80 anos nesta noite
Nem corpo, muito menos ritual do luto e longe da justiça
Médico nasceu em 1941 e desapareceu em 1972
Veja o vídeo de Sônia Haas, irmã
Ouça os Podcasts de Sônia Haas, irmã
Renato Dias
Ilma Link Haas nunca perdeu a esperança de reencontrar o filho. João Carlos Haas Sobrinho não se comunicava com o clã desde 1966. A ideia era revê-lo com vida. Para um beijo. Um abraço. De afeto. De mãe.
Mãe morre sem
poder sepultar o
corpo do filho e
nem realizar o
seu ritual de luto
Nascido em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, dia 24 de junho de 1941, filho de Ildefonso Haas e Ilma Lick Haas, o garoto cursou o primário no Colégio São Luís, concluiu o ginásio no São Jacó e terminou o 2° grau no Anchieta.
João Carlos Haas Sobrinho fez o curso Medicina. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Depois embarcou para São Paulo, capital, e estabeleceu ligações com PC do B, fundado em fevereiro de 1962.
O Comitê Central da foice e do martelo havia feito a opção pelas armas, Sob a estratégia de Mao-Tsé-tung. Do cerco das cidades pelo campo. Recém-formado, viaja para a China. Motivo: treinamento de guerrilha.
PC do B faz opção
pelas armas. Sob
inspiração nas ideias
de Mao-Tsé-tung, da
revolução na China
Com o retorno ao Brasil, desloca – se ao norte do Estado de Goiás, atual Tocantins, Sul do Pará e um trecho do Maranhão. Para execução de um trabalho lento, seguro e gradual com camponeses. Área estratégica.
Primeiro, o município de Porto Franco, Maranhão. Segundo, Xambioá, à época Goiás, hoje Tocantins. De 1966 a abril de 1972. Para ações de medicina, farmacêutica, social e política. Com o olhar para o futuro.
Porto Franco e
Xambioà: áreas
de intervenção
do médico e
comandante
A guerrilha do Araguaia começa a ser desmantelada em 21 de abril de 1972. Três operações: primeira, Papagaio, com as incursões da Peixe, Ouriço e Olho Vivo. Segunda, Sucuri, no mês de abril do ano de 1973.
A terceira, Marajoara, em 7 de outubro de 1973. A ordem de Emílio Garrastazu Médici, general-presidente da República de plantão, era matar. Outubro de 1974. A guerrilha do Araguaia é liquidada.
Mateiros, índios suruís, soldados e até os camponeses pobres que conheciam a região foram arregimentados. Para a caçada final. Das cabeças dos guerrilheiros do Araguaia. Do Partido Comunista do Brasil.
Janeiro do ano de 1975. Já com Ernesto Geisel, no Palácio do Planalto, e Golbery do Couto e Silva, na Casa Civil, a Operação Limpeza, na Serra das Andorinhas, com a ocultação de cadáveres dos guerrilheiros. Desaparecidos.
João Carlos Haas
Sobrinho morreu
em 30 de setembro
do ano de 1972. Na
Região do Araguaia
O médico e comandante da guerrilha João Carlos Haas Sobrinho teria sido executado extrajudicialmente no dia 30 de setembro de 1972. Os seus restos mortais nunca foram entregues à sua família. Trágico. Triste.
Um cadáver insepulto. Crime de sequestro continuado. Não passível de Anistia. Muito menos de uma autoanistia. Como a de 28 de agosto de 1979 sancionada por João Figueiredo. Como diz o Direito Internacional dos DH.
É a Lei 6683. A da
‘autoanistia’ aos
agentes da repressão.
Ela viola o Direito
Internacional dos DH
Ilma Link Haas determinou à aquisição de um jazigo no Cemitério de São Leopoldo. Para dar-lhe um enterro digno. Sob as regras de seu credo religioso. De matriz católica apostólica romana. Os despojos nunca apareceram.
Frases
‘A angústia da ausência de informações
Sônia Haas
‘A notícia de sua morte é revelada em 1980
Sônia Haas
‘Uma morte invisível, sem corpo nem luto
Sônia Haas
‘O vazio é eterno e está sempre entre nós
Sônia Haas
Saiba mais
Violações de direitos humanos
Um passado que não passa
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso Nacional referendou ainda a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, o marechal Humberto Castello Branco.
Marechal Humberto Castello Branco
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, constituía-se em herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada no dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, espetáculos, publicações de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’. A empresa Aérea Panair, fechada.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada, dia 28 do mesmo mês, não foi ampla, nem geral, muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
Sob a Operação Cristal, com o general Antônio Bandeira e Sylvio Frota, a direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou executores morto e ferido. O crime permanece até hoje, no ano de 2021, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1984, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes. Sob a ameaça das Medidas de Emergência. Em Brasília. Com Newton Cruz.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. O autor de Marimbondos de Fogo, José Ribamar Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em uma fina ironia transacional da História do Brasil, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Memória, verdade e justiça
Para que nunca se esqueça
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo. A sua narrativa é de que não sabia o que Filinto Muller fazia nos porões do Estado Novo.
Getúlio Vargas
Ex-prefeito de São Paulo, o professor da norma culta da Língua Portuguesa, Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a sua renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, colorado do Rio Grande do Sul, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril de 1964. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli, presidente da Câmara Federal, assumir o cargo no dia 2 de abril. Humberto Castello Branco ocupará o cargo.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele, um reformista, se encontrava em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto das ideias do velho barbudo Karl Marx e Friedrich Engels, o seu parceiro de décadas. Muito menos um corrupto. Nem fraco. Como aponta o Ibope de 1964.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública. O líder camponês é trocado pela libertação de Charles Burke Elbrick em 7 de setembro de 1969.