Torturador é condenado à prisão
Justiça de transição tardia e incompleta
Torturador é condenado à prisão
Ditadura civil e militar
Carlos Alberto Augusto, o Carlinhos Metralha, do Deops _ SP
Renato Dias
Agente do Estado pago pelo erário com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança do cidadão, o delegado aposentado do extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social [Deops _ SP], Carlos Alberto Augusto, rotulado de ‘Carlinhos Metralha’, sob a ditadura civil e militar no Brasil, foi condenado em primeira instância. A 2 anos e 11 meses de prisão. Em um regime, inicial, semiaberto. A decisão saiu, hoje, na Justiça Federal, em São Paulo.
Carlinhos Metralha
participou diretamente
da ação de sequestro
O condenado participou do sequestro do ex – fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte. Trata – se de um desaparecido político desde o ano de 1971. A sentença da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo é resultado de denúncia que ajuizada em 2012 pelo MPF. O procurador aposentado do Estado São Paulo José Damião de Lima Trindade informa com exclusividade ao Portal de Notícias www.renatodias.online que foi uma testemunha de acusação no caso.
Crime contra
a humanidade
Além de Carlos Alberto Augusto, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército DOI-Codi, sediado em São Paulo –, referência política e moral para o atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e o ex-delegado Alcides Singillo também respondiam pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte. Os dois deixaram de figurar como réus após morrerem em 2015 e 2019, respectivamente.
A anistia não pode
ser aplicada no caso
A Justiça Federal reconhece a responsabilidade penal do réu, comprovada “além de qualquer dúvida razoável” com documentos do Arquivo Público de SP e depoimentos de testemunhas. “Há provas suficientes no sentido de que o acusado Carlos Augusto participou da prisão da vítima e atuava em pelo menos um dos locais onde se encontrava detida ilegalmente”, sublinha o juiz federal Silvio César Arouck Gemaque, autor da sentença condenatória inédita no Brasil.
O Brasil tem o dever de
investigar, processar e punir
ex – agentes envolvidos na
repressão política
A ação contra Edgar de Aquino Duarte ocorreu no contexto de um “sistema de terror” implantado pelo Estado, que “prendia sem mandado, sequestrava, torturava, desaparecia e matava pessoas por suas posições políticas”. A sentença observou as circunstâncias do crime para negar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e definir o semiaberto para o cumprimento. O MPF recorrerá da decisão e pedirá o aumento do período de prisão.
Edgar de Aquino Duarte foi preso no dia 13 de junho de 1971. Sem ordem judicial. A vítima trabalhava como corretor da Bolsa de Valores de São Paulo. Já não possuía vínculo com organizações de oposição à ditadura civil e militar. Expulso da Marinha em 1964 pelo Ato Institucional nº 1, retornara do exílio, em 1968. O ex – fuzileiro naval foi delatado pelo cachorro José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, ainda vivo. Sem ser julgado e condenado pela Justiça
História do Tempo Presente
Saiba mais
1964 no Brasil
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso Nacional referendou ainda a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, o marechal Humberto Castello Branco.
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, era o herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada no dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, espetáculos, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou executores morto e ferido. O crime permanece até hoje, 2021, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1984, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Anos de chumbo e de ouro
De 1964 a 1988 e até 2021
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.
Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele se encontrava em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública.