MR-8, discreto charme da esquerda armada
MR-8, o discreto charme da esquerda em armas
Três fases da DI-GB: pré-1964, pós-1967 e depois de 1972, no Chile, exílio
Renato Dias
Charles Burke Elbrick, nascido em 25 de março de 1908, em Louisville, EUA, circulava com o seu motorista no carro oficial da Embaixada dos EUA, no Rio de Janeiro. Logo vê o seu veículo ser abalroado e interceptado. De cara, leva uma pancada na testa. O diplomata acabava de ser capturado. Por um consórcio revolucionário. Não é sequestro, tipificado como crime comum. Tratava – se de uma operação revolucionária. Dia 4 de setembro de 1969. Para libertar 15 presos políticos e divulgar um manifesto nos conglomerados de comunicação. O texto era de autoria de Franklin Martins. ‘Olho por olho. Dente por dente’. Assim terminava o documento. Assinado pela ALN e o MR-8. Até então uma organização fora do radar da ditadura civil e militar no Brasil.
Como a ALN, de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, o MR-8 também é uma ruptura do PCB. A sigla da foice e do martelo fundada em 25 de março de 1922, em Niterói, por nove operários. Pós-revolução socialista de 25 de outubro ou 7 de novembro de 1917, como anota o novo calendário, na Rússia. O primeiro mal-estar que leva à criação de um núcleo de estudantes da Guanabara distante das diretrizes do Comitê Central, sob a hegemonia do Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, é sentido antes ao golpe de Estado civil e militar de 1964. Por alunos da Faculdade Nacional de Filosofia. O embrião, pré-1964, sem organicidade nem capilaridade, era formado por Vladimir Palmeira, Jorge Eduardo Saavedra Durão e Jorge Vilain.
O PCB, tanto em 1958 quanto no seu V Congresso, elabora a rotulada Teoria das Duas Etapas. Com uma visão dualista. De um suposto Brasil semifeudal. O que requer, como tática e estratégia, primeiro, uma revolução democrática nacional. Com a burguesia. Segundo, uma transição pacífica ao socialismo. Tempos de guerra fria e de coexistência pacífica [1945-1991]. O corolário da análise é a adesão a João Belchior Marques Goulart, presidente da República que assumira o poder com a renúncia da etílica vassoura Jânio da Silva Quadros, em 25 de agosto de 1961. Uma tentativa de autogolpe fracassada. Jango, ex-zagueiro das categorias de base do Internacional de Porto Alegre, gaúcho de São Borja, graduado em Direito, proprietário rural.
Um nacional-estatista. Em sua versão trabalhista. O herdeiro político e eleitoral de Getúlio Vargas. Os comunistas adotam três perspectivas, diz o pesquisador Higor Codarin. Etapista, reboquista e pacifista, define – as. Uma estranha derrota ocorre em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964. Sem resistência.Do Partidão. Inerte. Uma passeata militar, teria apontado o historiador Caio Prado Júnior. O PCB, em 1965, recomenda o voto em Negrão de Lima. Nas eleições ao Governo da Guanabara. Já em 1966 a opção é pelo voto no MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. Nos pleitos legislativos. O racha político e ideológico dos estudantes ocorre em novembro de 1966. A Dissidência Estudantil da Guanabara queria o voto nulo e é expulsa do PCB
Em 1967, a DI_GB possuía em suas fileiras Vladimir Palmeira, Daniel Aarão Reis, Samuel Aarão Reis, Luiz Eduardo Prado, Franklin Martins, Cid Benjamin, Vera Sílvia Magalhães, José Roberto Spiegner, relata com exclusividade a www.renatodias.online Higor Codarin. Antes da ruptura, havia a perspectiva de realização do Congresso do PCB, atira. O programa da nova organização não aparece no início. É construído a médio e longo prazos. A opção era pela luta armada. Ela não se integra a nenhuma Dissidência, no País. O intelectual francês Régis Debray, preso na Bolívia, em 1967, com ‘Revolução na Revolução?’ faz a cabeça dos seus integrantes. O PCB explode: ALN, PCBR, DD. A DI-GB, em 1966 e 1967, amplia a capilaridade no movimento estudantil.
A Ação Popular constitui – se em sua rival política. O secundarista nascido no Pará Edson Luís de Lima Souto é morto pela repressão política e militar no dia 28 de março de 1968, no Restaurante Calabouço, na Cidade Maravilhosa. A passeata dos 100 mil é realizada dia 26 de junho. A DI-GB cresce. O segundo semestre é de refluxo. Cai Ibiúna. Em 12 de outubro de 1968. O AI-5, em 13 de dezembro do ano que não terminou, deixa o tempo nublado. O ar fica irrespirável, diagnostica o Jornal do Brasil. O caminho aponta para a luta armada. ALN e VPR já haviam entrado em cena:1968. Armas nas mãos. A terceira conferência de abril de 1969 faz a opção tática e estratégica pelo poder do cano de um revólver. Como em Cuba, 1959; China, 1949; Vietnã, 1969.
O documento do MR-8 diz que o Brasil era um país sob o modo de produção capitalista, sim. Nada semifeudal. Como já dizia Caio Prado Júnior. Mais: recorre à Teoria da Dependência, conta Higor Codarin. Com centro e periferia do sistema mundial capitalista de poder. Para definir que a etapa, no ‘País tropical abençoado por Deus’, já é era a da revolução socialista. Uma compreensão mais clara do cenário político nacional, frisa o estudioso. Com referências teóricas, pontua. A captura de Charles Burke Elbrick teria sido um acerto tático e um erro estratégico, avalia o historiador. Pontos positivos: como ação de propaganda, a soltura de Vladimir Palmeira, que caiu em 12 de outubro de 1968. Assim como a libertação ecumênica de mais 14 presos políticos.
O que revelava um espírito de frente. De unidade na luta. O que contribuiria para o desenvolvimento da guerra de guerrilhas. Além de ter sido efetuada na Semana da Pátria. De 4 a 7 de setembro de 1969. Apesar do resultado, a esquerda em armas sai fragilizada. Com o aumento da repressão. O que produzirá a liquidação. Da luta armada no Brasil. Em curto prazo. Cláudio Torres cai dois dias depois, 9 de setembro. Virgílio Gomes da Silva, Ilda Gomes da Silva e Paulo de Tarso Venceslau são presos, em 28 de setembro. Carlos Marighella é morto em 4 de novembro de 1969. José Roberto Spigner morre dia 17 de fevereiro de 1970. Logo em seguida, golpes: 6 de março, durante uma panfletagem em uma área operária próxima da Favela do Jacarezinho.
Virgílio Gomes da Silva, codinome Jonas, guerrilheiro
É a operação do porão que promove as quedas de Daniel Aarão Reis Filho, Vera Sílvia Magalhães, Paulo Farah, Pedro Alves, Carlos Zílio, Regina Maria Toscano Farah. Na sequência, mês de abril do mesmo ano, Samuel Aarão Reis, Cid Benjamin e Carlos Vainer caem. Apesar das pancadas, a organização é reestruturada. Para deflagrar a guerrilha rural. Onde? Sertão da Bahia. Com Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Zequinha Barreto, César Benjamin, Nilda Cunha. A queda de Stuart Angel Jones ocorre em maio do ano de 1971. Sob a primeira fase do MR-8. A perspectiva da luta armada e da guerra de guerrilhas. O filho de Zuzu Angel não abre informações de Carlos Lamarca e da guerrilha rural. Realidade: o projeto da luta armada não capturou operários e camponeses.
O Milagre Econômico Brasileiro [1967-1974] contribui para a marginalização da esquerda em armas. A perspectiva do projeto revolucionário vira uma miragem. Não apenas pelo script protagonizado pelo aparato de repressão do Estado e até multinacional. As mortes de Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Zequinha Barreto e Nilda Cunha simbolizam o enterro da ideia de guerrilha rural. Eles famintos, esquálidos. Lúcia Murat, da Dissidência da Bahia, integrara – se ao MR-8. Novela: quedas, torturas. O seu irmão é enviado ao exterior. Ele para na Índia. É devastado pelo consumo de drogas ilícitas. As execuções mostram que a revolução pregada pela luta armada faltou ao encontro no Brasil. Retrato do frágil projeto da esquerda em armas, conceitua Higor Codarin.
A obsessão pela guerrilha rural era a estratégia. O campo indispensável para a revolução. Como ilustravam as revoluções na China, Cuba, Vietnã. A ideia: criar focos rurais para acelerar o processo revolucionário. O que sobrou do destroçado MR-8, em 1972, exila – se, em Santiago, Chile. Sob Salvador Allende. O pleno da organização sai em dezembro. Com uma autocrítica radical de uma fração do MR – 8. A organização racha. Em dois: MR-8 Direção Geral faz a crítica da luta armada. O MR-8 Construção Partidária é minoritário. Com Daniel Aarão Reis Filho, Vladimir Palmeira, Athos Magno Costa e Silva, Samuel Aarão Reis, Cid Benjamin. O MR-8 Direção Geral fica com o nome e elabora documento com a exclusão da luta armada: a crítica das armas.
A prisão de César Benjamin, menor de 18 anos, irmão de Cid Benjamin, e a sua libertação obteve o suporte da Anistia Internacional. Com sucessivas campanhas de denúncias contra a ditadura civil e militar. A sua mãe, Iramaya Benjamin, obtém protagonismo e deflagra, com a sua luta, a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, no Brasil. O MR 8 integra o PMDB, vira o Partido Pátria Livre, o PPL, que acaba incorporado pelo velho PC do B, legenda da foice e do martelo fundada em fevereiro de 1962. Com a ruptura do PCB. Nascida em 1948, líder secundarista, grevista na Colégio de Ensino Médio Andrews, Vera Sílvia Magalhães é personagem emblemática do MR-8. Ela ingressa na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Já na Terceira Conferência Nacional do MR-8 é deslocada para a Frente de Trabalho Armado. O seu primeiro marido José Roberto Spigner foi executado extrajudicialmente. A única mulher da FTA, de operações armadas, a participar da captura de Charles Burke Elbrick. É presa, torturada, trocada pelo diplomata da Alemanha no Brasil, Ehrenfried von Holeben. Assim embarca para a Argélia, Cuba, volta à Argélia, Paris, Alemanha, Chile, enfrenta o golpe de Estado civil e militar de 11 de setembro de 1973, refugia-se na Embaixada da Argentina, exílio na Suécia e França. Central nas lutas e a cara da geração de 68. Com as perspectivas das revoluções socialista, na cultura, hábitos e comportamentos. A falência dos projetos revolucionários causou dificuldade para que pudesse se reinventar, retomar a vida e refazer sua identidade no Brasil, conta.
Saiba mais
O que foi a ditadura civil e militar
Renato Dias
Fardados e civis derrubaram em 31 de março, 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema. O Congresso referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, marechal Humberto Castello Branco.
Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas. O rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais. No Palácio do Catete.
A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.
O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indígenas morreram sob a ditadura civil e militar e sua política indigenista e de obras faraônicas.
Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.
Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo ‘Caminhando’ Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.
O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, Câmara Federal, Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve operária.
O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida sancionada não foi ampla, nem geral muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos direitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia da União.
A direita explosiva matou, com uma bomba endereçada à OAB, a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Riocentro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de maio de 1981, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. O crime permanece até hoje, 2021, impune.
O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assassinado, no ano de 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1983, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Contra o que poderia ser uma ‘revolução democrática’, como aponta o sociólogo marxista Florestan Fernandes.
O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2021, militares estão em 23 órgãos da União.
– Um passado que não passa.
Hegemonia cultural
A disputa pela memória
Renato Dias
A disputa pela memória é permanente. Civil e militar, o golpe de Estado do ano de 1964 era para ter sido deflagrado, em 1954. Ele falhara com o suicídio de Getúlio Vargas. Em 24 de agosto, às 8h30, nos aposentos presidenciais, do Palácio do Catete, Rio de Janeiro. A capital da República, à época. Com um tiro no peito, acuado pelas Forças Armadas, deixa a vida e entra para a História. Sem ‘expiar a culpa’ pelas violações dos direitos humanos executadas sob o Estado Novo.
Jânio da Silva Quadros, a etílica vassoura, alega ‘Forças Terríveis’ para assinar a renúncia, em 25 de agosto, de 1961. Nada. Tratava-se de um autogolpe. Não deu certo. Em tempos de guerra fria [1945-1991], o fantasma do comunismo é disseminado no Brasil. Ex-zagueiro do Internacional de Porto Alegre, nas categorias de base, João Belchior Marques Goulart, que atendia múltiplas demandas de adversários, registradas em cartas, é deposto. Em 1964.
A data exata não seria 31 de março. As tropas de Olímpio Mourão Filho, a suposta ‘vaca fardada’, saem de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, e chegam à Cidade Maravilhosa apenas em 2 de abril. O general Amaury Kruel faz chantagem ainda com Jango. Auro Moro Andrade, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, abre sessão, declara vaga a presidência da República, com o atingido ainda no Brasil, para Raniére Mazzilli assumir o cargo no dia 2.
Nacional-estatista, em sua versão trabalhista, herdeiro de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, ele encontrava-se em solo. Documento, um bilhete de próprio punho do inquilino do Palácio do Planalto, com a data de 4 de abril de 1964, solicita o empenho de um aliado para que obtenha o seu asilo político no Uruguai, país do Cone-Sul, que faz fronteira com o Brasil. Acusado de comunista, nunca foi um adepto de Karl Marx e Friedrich Engels. Muito menos um corrupto.
O ‘Reino das Empreiteiras’ tem início, sim, sob a ditadura civil e militar. Com a construção de obras faraônicas. Como a Transamazônica, a Usina de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói. Nascido no Uruguai, o embaixador do Brasil, no Chile, desde 1969, Antônio da Câmara Canto, nega ter tido torturas, no Brasil. Registro imagético: já em 1º de abril, em Recife, o velho comunista Gregório Bezerra é torturado, com a sola dos pés em carne viva, e exposto à execração pública.
Dica de leitura
Livro: O MR-8 na Luta Armada _ As armas da crítica e a crítica das armas
Editora: Alameda Editorial
Autor: Higor Codarin