Cuba: Análise da saída de Raúl Castro
O que muda com a saída de Raúl Castro do poder do PCC e do Estado, em Cuba?
Betty Almeida
De Brasília
Cuba resiste há sessenta e dois anos ao torniquete do imperialismo cronicamente enraivecido contra o rato socialista que ruge aos seus pés capitalistas. Tio Sam retirou crianças de Cuba, financiou e armou gusanos, montou 538 atentados contra Fidel Castro, impôs o embargo econômico, instiga a saída ilegal de cubanos da ilha e até paga os opositores internos.
O País sobreviveu à crise dos mísseis, que a colocou em evidência como um peão estratégico na geopolítica da guerra fria daquele tempo [1945-1991]. Apoiou o MPLA angolano contra o FNLA da CIA e os EUA tiveram de aceitar sua presença em uma mesa de negociação. A URSS apoiou Cuba até onde pôde. Mesmo assim, Fidel Castro ficou de pé depois da URSS esfacelada.
Sem sua figura mítica, carismática e firme à frente de Cuba, talvez o regime não tivesse sobrevivido até hoje. O manual do diretor da CIA, The craft of intelligence, ensina a desestabilizar e derrubar governos, a corromper o espírito e destruir a moral dos povos. A sua experiência em assassinatos não conseguiu atingir Fidel Castro, Raúl Castro e Che Guevara.
A habilidade de estadista de Fidel de fato manteve Cuba de pé. O levante popular contra o regime, apoiado pelos EUA, como era o plano em Playa Girón, foi um fracasso retumbante, e apesar de toda a atividade dos gusanos estabelecidos nos EUA, nunca se concretizou. O fim da figura legendária viva, como era Fidel Castro, e sua substituição pelo carisma mitigado de Raúl Castro, associado não só ao seu papel na revolução cubana, mas talvez também ao parentesco com Fidel Castro, foi a transição para a época moderna do fim do culto à personalidade.
A pecha de ditador que adversários impuseram a Fidel Castro, por ter passado cinco décadas à frente do Conselho de estado Cubano ficará colada à sua biografia. Esses adversários se atêm a um apego ao ritual das eleições ditas democráticas, sempre vencidas pelo poder econômico ou mesmo, até hoje, pela fraude em vários graus de disfarce. A liberdade de expressão das chamadas democracias é limitada, igualmente, por interesses econômicos dos donos dos meios de comunicação. Quem se insurge é perseguido com ferocidade.
As eleições em Cuba distinguem-se das eleições “democráticas” dos demais países já pela escolha dos candidatos: os pré-candidatos se inscrevem, sem necessariamente sejam ligados a partidos políticos. Assembleias abertas, onde a votação é feita pelo braço levantado, escolhem quem participará das eleições. Os escolhidos são lideranças locais de bairros, cidades, províncias, conhecidos por sua ação na comunidade. Existem cotas para trabalhadores, mulheres, estudantes e pequenos agricultores. Negros e mestiços são 40,55% dos membros do Parlamento cubano, 86% têm nível superior e 53,22% são mulheres.
A eleição de Miguel Díaz-Canel ocorreu neste mês de abril, com quase unanimidade dos votos da Assembleia Nacional do Poder Popular, o que atesta um consenso político importantíssimo nessa escolha. O eleito tem uma carreira política e militar respeitável, já foi ministro da Educação, vice-presidente e sempre gozou da confiança de Fidel e de Raúl Castro. O novo presidente, nascido em 1960, ano seguinte ao da vitória da Revolução Cubana, apontou como “tarefa da nova geração política que assume o poder neste mandato ‘dar continuidade à Revolução Cubana’ e declarou que “segue o exemplo do líder da revolução, Fidel Castro, e do general do exército e primeiro-secretário do partido comunista, Raúl Castro. É discreto e tem uma vida simples, mas terá de adaptar-se a normas de segurança rigorosas. Não se pode esquecer das centenas de atentados contra a vida de Fidel Castro.
Miguel Díaz-Canel terá como desafios principais implantar novas medidas econômicas, criar uma política para os meios de comunicação digital na ilha e, naturalmente, lidar com o governo dos EUA e o embargo econômico. O novo dirigente cubano enfrentará o teste para a afirmação do sistema democrático cubano e seu modelo socialista armado com sua experiência em política desde a juventude, com sua afinidade com a cultura, os problemas e aspirações do povo cubano, com sua identidade com a Revolução Cubana e com o apoio da Assembleia Nacional do Poder Popular Cubano, que o elegeu com 99,83% dos votos.
Betty Almeida, escritora e professora, é autora de ‘Paixão de Honestino’, Editora da UNB