Cristiane Lemos
Opinião

Papel da mídia e da população na defesa do Sistema de Saúde

Artigo _ Opinião

Papel da mídia e da população

na defesa do Sistema de Saúde

Cristiane Lemos _ Odontóloga

 

Salvo algumas exceções, o foco do jornalismo brasileiro sempre foi o de denegrir o SUS, apresentando as suas tragédias e omitindo-se em fazer um debate mais sério sobre as suas reais potencialidades.  A grande surpresa nesta pandemia é observar que a grande mídia tem adotado uma postura diferente, trazendo matérias que evidenciam o papel essencial de um sistema público de saúde diante deste cenário caótico.

 

É uma novidade ver o SUS e seus profissionais terem seu valor reconhecido e jornais de grande impacto nacional divulgando importantes reflexões sobre o assunto.  Outras boas novas foram  as entrevistas públicas  do ex – ministro da Saúde Henrique  Mandetta vestindo o jaleco do SUS,   pesquisas   demonstram maior respeito à saúde pública pela  classe média e alta e até  homenagens de rede de supermercado no dia mundial da saúde.

A existência de um sistema unificado, gratuito e universal ao lado de outras políticas sociais foram fundamentais para inserir o Brasil entre os países do mundo que mais aumentaram a expectativa de vida ao nascer e na redução da mortalidade infantil. Para além de assistência médica em hospitais e unidades de saúde, o SUS oferece infinidade de serviços desconhecida, como a produção de medicamentos e vacinas, pesquisas, vigilância epidemiológica e sanitária.

 

Apesar da notória contribuição  para a vida do brasileiro, o SUS ainda convive com mazelas e dificuldades estruturais que precisam ser seriamente enfrentadas.  Acreditamos que a mobilização da mídia e da população para a sua defesa seja um dos pontos estratégicos para seu fortalecimento.   Há uma máxima que diz “O SUS não é um problema sem solução, é uma solução com problemas”.    Com certo consenso entre os especialistas da área da economia da saúde que sua problemática central é o processo de subfinanciamento crônico.

 

Já que desde a sua criação, em 1988, as verbas destinadas ao seu funcionamento são insuficientes.  Com destaque para a aprovação da Emenda Constitucional 95 [reconhecida como PEC da Morte] em 2018, pelo governo Michel Temer, que agravou ainda mais o problema financeiro congelando recursos por 20 anos e retirando bilhões a serem destinados ao orçamento da saúde.

 

A experiência internacional demonstra que países com financiamento adequado têm sistemas de saúde públicos mais eficientes. Na Inglaterra, por exemplo, o NHS [National Health System] é um orgulho para a maioria do seu povo, tendo sua bandeira estampada até nas olímpiadas de 2012. Importante situar que o hospital público St Mary, em Londres, foi local de nascimento do príncipe Willian e depois dos seus três filhos. Mais recentemente o primeiro ministro Boris Johnson, que contraiu a Covid 19, também foi socorrido pelo sistema de saúde público inglês.

 

O SUS, ao contrário do que muitos imaginam, não foi um projeto pensado para incluir apenas os pobres. Baseado nos princípios da universalidade, igualdade e integralidade destina-se a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor ou situação financeira.  Mas convenhamos que este não e um projeto tranquilo num país marcado por uma histórica desigualdade social. Para os brasileiros seria algo muito estranho ver filhos de presidentes nascerem em hospitais públicos. Embora os mais endinheirados usem o SUS, sim, a exemplo de Roberto Marinho que recentemente realizou uma cirurgia de transplante gratuita pelo SUS.

 

O SUS tem como objetivo central fazer as pessoas viverem mais e melhor, e neste sentido, o seu foco central não deve ser a cura de doenças, mas a articulação e execução de políticas de promoção de saúde.  A priorização da atenção básica com elaboração de programas de prevenção como, por exemplo, a criação de academias de saúde ou a educação em saúde em escolas e outros espaços públicos devem ser a centralidade.

 

Há de se reconhecer que uma gestão que privilegie a promoção da saúde pode desencadear uma verdadeira revolução na vida do povo brasileiro. Com menos doenças, a  produção  de  medicamento seria desacelerada e não haveria necessidade de tantas farmácias. A demanda por planos de saúde, hospitais e até de cursos da saúde diminuiria.  Com certeza haveria impactos  negativos na  lucratividade do mercado da saúde que é um dos mais rentáveis do mundo.

 

O que devemos nos perguntar é:  seria ético que saúde seja objeto de lucro? A ser consumido somente por aqueles que podem pagar? O SUS se fundamenta na ideia da saúde como direito e não como uma mercadoria a ser acessada  pelos privilegiados. O cuidado à saúde não pode ser uma opção para uma minoria, mas um direito social e coletivo garantido em lei.

 

Nesta perspectiva, defender o SUS é defender o valor da vida e da dignidade humana. Todo brasileiro usa o SUS, mesmo que não esteja ciente disto. De cada 10 brasileiros, cerca de sete depende exclusivamente da assistência médica do SUS. Vivemos uma grande tragédia na pandemia, mas seria possível imaginar o tamanho do problema, caso não existisse o SUS hoje?

Sanitaristas comparam  o SUS à Geni da música de Chico Buarque. Muitos brasileiros jogam pedra no SUS/Geni, falam mal e ridicularizam, mas quando a necessidade aperta é o SUS/Geni é quem socorre a maioria que não tem como pagar pela assistência médica.

 

Nesta pandemia ficou muito claro o papel do SUS e de seus profissionais para impedir que a tragédia se ampliasse sem limites.  A defesa do SUS é crucial para que o país avance. Mas como defender o SUS? Qual seria a contribuição da mídia e da população? Uma das questões mais cruciais para a consolidação do SUS é um movimento para barrar a Emenda Constitucional 29 que congelou os recursos da saúde.

 

Outra possibilidade real é de desenvolver um jornalismo comprometido a apresentar o SUS para além de suas tragédias, além de estimular o debate e ações sobre novas fontes de recursos, como por exemplo, a auditoria da dívida pública e taxação de grandes fortunas.  No geral também a população tem que estar atenta em eleger políticos que sejam contra a privatização do SUS e que colaborem para aprovar novas fontes de recursos.

 

A pandemia que tanto nos aterroriza demonstrou a importância das políticas públicas de saúde neste momento. O reconhecimento do valor do SUS deve ser um estímulo para uma defesa  ativa da população. A mídia tem um papel crucial em  educar e despertar esta consciência.  Não vamos mais jogar pedras no SUS/Geni. Vamos conhecer,  defender e aplaudir esta grande conquista social!

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

Avatar photo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *