Choram Marias e Clarices
Recluso. Ensimesmado. Não gostava de sair de casa. Nos últimos tempos. Saiu. Médico psiquiatra. Um leitor de Sigmund Freud. O fundador da Psicanálise. Bem que Caetano Veloso diz, para o bem, que de perto ninguém é normal. Amante da música. Ex – boêmio. Morto, ontem, após 24 dias internado. O seu destino: o cemitério. Causa mortis: Covid 19. Aldir Blanc, cantor e compositor, é autor de ‘O Bêbado e a Equilibrista’. A canção que embalou a campanha por Anistia, sob a ditadura civil e militar, no Brasil [1964-1985]. Imortalizada na voz da pimentinha Elis Regina, que morreria em 1982. Registro: a lei 6.683 foi sancionada em 27 de agosto de 1979. Ironias da história, a sua morte ocorreu um dia depois de o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército e que venera Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador, desprezar as recomendações da Organização Mundial de Saúde[OMS], de distanciamento social, para conter a Pandemia, e dar anuência à uma manifestação que exigia a volta dos homens de coturno e uniforme verde-oliva, com uma agenda liberal. Como 1964.
– Aldir Blanc não será ontem. Nem hoje. Muito menos amanhã. A história dirá sempre. Obrigado. Boa viagem. [É a despedida de Fernando Casadei Salles]
Nascido dia 2 de setembro, do ano de 1946, pós-segunda guerra mundial, no Rio de Janeiro, Aldir Blanc morou em Vila Isabel. Mais: tocou bateria. O homem amou e escreveu livros. Assim como produziu poemas. O artista multifacetado compôs ainda o Movimento Artístico Universitário. Noel Rosa, uma de suas referências estéticas. É da sua lavra ‘Amigo é pra essas coisas’. Na morte a gente esquece, pontua. Eu, hoje, me embriagando, de uísque com guaraná, cantou em ‘Dois Pra Lá, Dois Pra Cá’. Palhaços, marcianos, canibais, atira em ‘O Rancho da Goiabada’. No fundo é uma eterna criança, que não soube amadurecer, escreveu em suposto autorretrato na música ‘Resposta ao Tempo’. Em ‘O Bêbado e a Equilibrista’ faz referência ao desabamento do elevado Paulo Frontin, ocorrido na Cidade Maravilhosa, em 1971, cita o irmão do Henfil – Herbert de Souza, o Betinho, da Ação Popular, exilado –, Marias e Clarices, para marcar o calvário de Clarice Herzog, mulher de Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975, sob a Operação Radar, executada pelo DOI-CODI e Ernesto Geisel, nos anos de 1974 a 1976.
– Aldir Blanc representa o grito de uma geração.
Memória & História
É o que afirma Maria Cláudia Badan Ribeiro, graduada em Letras, mestre em Sociologia, doutora em História, com dois estágios pós-doutorais. Em Sociologia e História. Autora de ‘Mulheres na Luta Armada – Protagonismo Feminino na Ação Libertadora Nacional, a ALN’. Jessie Jane, ex – presa política, referência da ALN, lamenta. Lá se foi mais uma voz da nossa geração, reclama. Já choramos ao navegarmos no tempo, desabafa. O hino da Anistia, ouvida e cantada nas portas dos presídios _ da ditadura civil e militar no Brasil _,recorda-se. Nos aeroportos com a volta daquele que haviam se tornado apátridas, registra para a História. Passadas tantas décadas, com tantas utopias, lutas, conquistas e derrotas estamos hoje nos despedindo de um dos maiores de nossa geração, fuzila a pesquisadora. O cantor e compositor João Bosco, parceiro de Aldir Blanc, pelas redes sociais, diz não ter condições de falar. Aldir Blanc foi mais do que um amigo para mim, se confunde com a minha própria vida, com aquele humor divino, apaixonado pelos netos, médico e eu, hipocondríaco, dispara. “Perco o maior amigo”, chora.
Uma pessoa somente morre quando morre a testemunha e eu estou aqui para fazer o espírito de Aldir Blanc viver, destaca João Bosco, em seu endereço eletrônico. Em tempos sombrios. Um ‘mix’ de Pandemia do Coronavírus Covid 19, de escalada do fascismo do século 21, no Brasil, na Hungria, na Polônia e nos Estados Unidos das Américas[EUA], com o temor da crise econômica, queda do Produto Interno Bruto, elevação das desigualdades econômicas e sociais. Após interpretar o personagem ‘Carlitos’, Charles Chaplin, por 27 anos, o cineasta Ângelo Lima diz que Aldir Blanc era o maior letrista do Brasil. Poeta de mão cheia, ele insiste. ‘O Bêbado e a Equilibrista’, um hino à resistência, está em ‘Nódoas’, meu filme que aborda os anos de chumbo da ditadura civil e militar no País, registra. Inestimável a perda do cantor, compositor, poeta e escritor, resume o jornalista, de estilo autoral, com referência no Jornalismo Gonzo, Marcus Vinícius Beck. O Coronavírus Covid 19 subtrai pessoas, alerta o ‘periodista’ e escritor da vanguarda estética, editor do DM Revista, o caderno de cultura do jornal Diário da Manhã.
– Ouvi muito João Bosco e Aldir Blanc. Na adolescência. Pós-adolescência. É triste. A perda. Fará falta à Música Popular Brasileira. [Depoimento de Gilberto Correia, cantor e compositor]