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Política

55 anos depois Finados sem ‘luto’ aos desaparecidos

Exclusivo

Mesmo 50 anos depois sem ‘luto’ aos desaparecidos

Patrimônio imaterial da humanidade, o direito de sepultar e chorar pelos seus mortosé negado, no Brasil, com anuência do Supremo Tribunal Federal, o STF

Quem irá chorar por Miguel Pereira dos Santos, Fernando Santa Cruz, Maria Augusta Thomaz, Marcos Antônio Dias Batista, Paulo de Tarso Celestino neste dia 2?

Helena Pereira Santos, Olga Aniz Thomaz, Maria de Campos Baptista e Elzita Santa Cruz morreram sem dar o último beijo e o adeus aos seus filhos

 

E X P L O S I V O

 

Equipe multimídia

Pauta, texto, edição e revisão: Renato Dias

Edição e tratamento de imagens: Elson Souto e Marcus Vinícius Beck

Produção online: Lucas Pinheiro e Marcus Vinícius Beck

Infográfico: Elson Souto

 

 

Helena Pereira Santos Helena Pereira Santos   morreu sem realizar um sonho: dar um sepultamento com ritual e ob­ter o direito ao luto, no dia de Finados, celebrado em 2 de novembro, no Brasil. É que seu filho, Miguel Pereira dos Santos, ‘nom de guerre’ Cazuza, integrante do Destacamento C, integra a lis­ta dos guerri­lhei­ros mortos na Guerrilha do Araguaia [1966-1972]. A sua morte teria ocor­rido dia 20 de setem­bro de 1972. Sob a Operação Papagaio. Os dados seriam do general Antô­nio Bandeira. Do Relatório de Operações de Manobra Araguaia. Avesso às convenções e tra­ta­dos internacionais de guerra: a sua mão direita teria sido decepada. Para recolher as suas impressões digitais. Com os restos mortais desaparecidos e nunca entregues à família. Crime sem castigo. Tortura sem fim. Já Olga Aniz Thomaz, abatida por um câncer, que lhe devastou, deu adeus à terra sem poder encontrar, para o último beijo, o corpo de sua filha, Maria Augusta Thomaz, executada na madrugada fria de 17 de maio de 1973, na Fazenda Rio Doce, município de Rio Verde, Estado de Goiás. Codinome Márcia, Sophia ou Renata, a estudante de Filosofia da PUC [SP] e revolucionária era integrante do Molipo, uma dissidência da ALN. Organização fundada por Carlos Marighella, morto em 4 de novembro de 1969. 50 anos atrás.

A mãe de Fernando Santa Cruz, Elzita Santa Cruz, viveu um século. Para ser exato: 105 anos. Des­de 1974 chorava. Morreu dia 25 de junho de 2019. À espera das improváveis revelações dos homens da ditadura civil e militar. Em relação ao seu filho Fernando Santa Cruz. Ativista da oposicionista AP-ML. Uma dissidência da Ação Popular, que acabou incorporada ao PC do B.  Um deles, homem sinistro que poderia contar o seu destino atendia pelo nome de Golbery do Couto e Silva. Fardados e civis depuseram o presidente da República, João Belchior Marques Goulart, em primeiro e dois de abril de 1964. Com a mobilização das Forças Armadas, o aval do Congresso Nacional, o suporte da Suprema Corte, o apoio, em editoriais, dos conglomerados de comunicação do País, além da bênção da CNBB, assim como os referendos da ABI, OAB e o voto envergonhado de JK  e de Ulysses Guimarães em Humberto Castello Branco. A genitora queria saber onde estavam os despojos de seu rebento. Felipe Santa Cruz , atual presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], teve a memória do seu pai ‘conspurcada’, de forma vil,  pelo atual presidente da República, capitão reformado, Jair Messias Bolsonaro.

Maria de Campos BaptistaBRASÍLIA-DFEDITORIA DE CIDADESFAMILIARES DO DESAPARECIDO POLÍTICO MARCOS ANTÔNIO DIAS BAPTISTA, VÍTIMA DA DITADURA. MARIA DE CAMPOS BAPTISTA DE 87 ANOS MÃE DE MARCOS, O ADVOGADO RICARDO DIAS ENTREGAM DOCUMENTOS AO MINISTRO DA DEFESA. MILITARES SÃO RECEBIDOS PELO VICE-PRESIDENTE E MINISTRO DA DEFESA.FOTO: DIOMÍCIO GOMES/JORNAL O POPULAR 15/02/06 morreu em 15 de fevereiro de 2006. Na saída de Brasília, Capital da República. Após audiência determinada pela Justiça Federal, com o ministro da Defesa, o chefe civil das Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica –, também vice-presidente da Re­pública, José de Alencar. Para receber, de forma oficial, documentos dos órgãos de re­pressão da União. À época da ditadura civil e militar sobre o seu filho, o estudante do Colégio Lyceu de Goiânia, secundarista, ligado à VAR-Palmares, com apenas 15 anos de idade, Marcos Antônio Dias Batista. O líder estudantil preso, torturado, executado extraju­dicial­men­te, com os restos mortais enterrados em local sabido e não divulgado. Quando? Em maio de 1970. Dias depois o Brasil seria Tricampeão Mundial de Futebol, no México. Com uma vitória de 4 X 1 contra a Itália. Emílio Garrastazu Médici estava com a popularidade em alta. De 1970 a 1980 a porta de seu casebre esteve aberta. Com a esperança, em vão, do retorno do filho que adorava ba­nanas, trabalhava desde os 12 anos de idade e auxiliava no sustento da casa. Mãe e pai, Wal­­domiro Dias Baptista, caminhoneiro, ganhavam um salário mínimo cada. Oito filhos. O lo­te para a construção do barracão havia sido dado pelo avô materno Antônio Botelho. Triste fim.

 

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História da República

O que foi a ditadura civil e militar – 1964 – 1985

Fardados e civis derrubaram em 1º e 2 de abril de 1964 o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Com tanques e metralhadoras. Com o aval do Supremo Tribunal Federal, a corte suprema do Brasil. O Congresso Nacional referendou a posse de Raniére Mazzilli e a indicação do primeiro general-presidente, marechal Humberto Castello Branco.Gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho, responsável pelo aumento real do salário mínimo, Jango, como era conhecido, é herdeiro do nacional-estatismo. Em sua versão trabalhista. De Getúlio Vargas, rotulado de ‘Pai dos Pobres’. Getúlio Vargas suicidou-se às 8h30, do dia 24 de agosto de 1954, em seus aposentos presidenciais, no Palácio do Catete.

A capital do Brasil, à época, era o Rio de Janeiro, outrora Cidade Maravilhosa. Com a queda de Jango, 21 anos de ditadura civil e militar [1964-1985]. A operação teve a ostensiva participação dos Estados Unidos das Américas. Um saldo societal trágico. Com 479 mortos e desaparecidos políticos. Assim como 1.700 trabalhadores rurais executados. Além de 10 mil pessoas exiladas.

O projeto Brasil Nunca Mais, organizado pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright, registra que duas mil pessoas, perante o Superior Tribunal Militar, o STM, denunciaram terem sido torturadas. Na cadeira-do-dragão, socos, pontapés, telefones, pau-de-arara. A jornalista Míriam Leitão teve de ficar em uma cela com uma cobra ao seu lado

Relatório da Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012 e encerrada dia 10 de dezembro de 2014, aponta que seis mil membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública foram demitidos ou reformados. Um Grupo de Trabalho da CNV diz que 12 mil indí­genas morreram sob a ditadura civil e militar, a sua política indigenista e de obras faraônicas.

Um Centro de Detenções Indígenas teria sido construído sob o Território Krenak. Depois, na Re­gião de Resplendor, Estado de Minas Gerais. Por último, para a Fazenda Guarani, em Car­mésia, em Minas Gerais. No mesmo local funcionava um Quartel da Polícia Militar [MG]. Com confinamento de até oito anos. Com documentos comprobatórios, diz Cláudia Nunes, cineasta

Pasmem: 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram reconhecidas pela Comissão de Anistia, órgão do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília [DF], a Capital da República, a terem direito à reparação econômica ou pensões. Por danos materiais, políticos, sociais e simbólicos. Medidas que prejudicaram as suas vidas. Tanto civis quanto militares.

Mais: a ditadura civil e militar, no Brasil e em Goiás, promoveu uma violenta censura às artes, publicação de livros, à imprensa, aos filmes, peças de teatro. Artistas eram perseguidos, presos, espancados e exilados. Como Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Inglaterra; Chico Buarque, na Itália; Geraldo Caminhando Vandré. Jornais destruídos. ‘Empastelados’.

O Ato Institucional Número 5, de 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, a Câmara Federal, o Senado da República, as assembleias legislativas e as câmaras municipais.  Centenas de governadores, prefeitos, senadores da República, deputados federais, deputados estaduais, vereadores foram cassados. Em 1980, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por greve.

O Congresso Nacional aprovou, em 26 de agosto de 1979, a Lei de Anistia. A medida san­cionada não foi ampla. Nem geral. Muito menos irrestrita. Os agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte para garantir a segurança pública, responsáveis por violações dos di­reitos humanos, assim como a sua cadeia de comando, receberam uma autoanistia. Da União.

A direita explosiva mandou aos ares bancas de revistas, matou, com uma bomba, a secretária-executiva da OAB, Lyda Monteiro, em 27 de agosto de 1980. Um atentado à bomba no Rio­cen­tro, Rio de Janeiro, no show de Primeiro de Maio, dia internacional dos trabalhadores, deixou os executores feridos. Um morreu. O crime das direitas permanece até hoje impune. Pasmem!

O jornalista Alexandre Von Baumgarten, indigesto à ditadura civil e militar, acabou assas­si­na­do, em 1982. A campanha das diretas de 1983 e 1984, que exigia o direito elementar de votar, caiu com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril do ano turbulento de 1984. Contra o que poderia ser uma revolução democrática, como aponta Florestan Fernandes.

O Colégio Eleitoral é instalado. Tancredo Neves morre. José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, legendas de sustentação da ditadura civil e militar, em ironia da História, assume. A Carta Magna sai em 5 de outubro de 1988. Com a manutenção da tutela das Forças Armadas como garantidora da Ordem Política e Social. Em 2019, militares estão em 30 órgãos da União. Com Jair Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro pede novo AI-5. Luiz Inácio Lula da Silva está preso.

– Um passado que não passa.

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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