Hugo Studart
Política

GUERRILHA DO ARAGUAIA

Anos de chumbo (1972-1975)

 

GUERRILHA DO ARAGUAIA

“A ordem era matar”

 

Forças Armadas executaram três campanhas e seis operações no Araguaia

56 guerrilheiros, 32 camponeses e sete militares teriam morrido à época

Goiano Divino Ferreira de Sousa, o Nunes, morreu em 1973, na Casa Azul

Historiador revela com exclusividade cadeia de comando e modus operandis

 

Renato Dias

Da Editoria de Política e Justiça

 

Com cadeias de comando diferentes, modus operandis distintos, a guerrilha Araguaia, conflito ocorrido entre os turbulentos anos de  1972 a 1975 no norte de Goiás [Atual Estado do Tocantins], sul do Pará e Maranhã, teve três campanhas militares, seis operações, deixou um saldo trágico de mais de 56 guerrilheiros mortos, além de 32 camponeses e de sete baixas nas Forças Armadas, com desrespeito à Convenção de Genebra e violações graves à Declaração Universal dos Direitos Humanos. É o que revela o o jornalista e historiador em sua tese aprovada com louvor no Doutorado da Universidade de Brasília [UNB], Hugo Studart.

“Em algum lugar das selvas amazônicas: as memórias dos guerrilheiros do Araguaia” {2015], escolhida a melhor tese do ano pelo Departamento de História da UNB, o autor apura as circunstâncias das mortes de 50 guerrilheiros comunistas, desvenda as execuções de 32 camponeses da região e revela que Emílio Garrastazu Médici, general-presidente da República, assim como Ernesto Geisel, o seu sucessor no Palácio do Planalto, além de Ernesto Geisel e Silvio Frota, também generais, integravam as cadeias de comando das operações e determinaram que nenhum revolucionário saísse com vida da região após a segunda etapa.

Operações na guerrilha do Araguaia
Operações na guerrilha do Araguaia

Campanhas

Três campanhas militares e seis operações foram necessárias para acabar com a guerrilha inspirada nas táticas e estratégicas formuladas por Mao-Tsé-tung, o líder da revolução socialista na China, em 1949, e que começou a ser organizada por João Amazonas e Maurício Grabois, em 1966, com o deslocamento de militantes para a região, um pedaço do Brasil esquecido pelo Estado. Dois anos depois do golpe de Estado civil e militar que depôs o presidente da República, João Belchior Goulart, nacional-estatista de linhagem trabalhista e herdeiro político do chamado “Pai dos Pobres”, o populista Getúlio Vargas, morto em 1954.

A primeira operação denominou-se Peixe-Ouriço. Ela foi realizada ainda no ano de 1972. A segunda recebeu o nome de Operação Presença. O Estado chegou a uma área inóspita, sem infraestrutura nas áreas de saúde, educação, segurança e de obras e serviços. A Operação Papagaio acabou deflagrada ainda em 1972. Já a chamada Operação Sucuri veio em seguida, 1973. Para exterminar a guerrilha no Araguaia, desencadearam em 1973 e 1974, a Operação Marajoara, conta ao Diário da Manhã o pesquisador Hugo Studart. Em janeiro, fevereiro e março de 1975, na Serra das Andorinhas e no Rio Araguaia, a última: Operação Limpeza.

– Limparam a área e desapareceram com os corpos dos guerrilheiros!

Comando

O historiador relata que tanto Emílio Garrastazu Médici quanto Ernesto Geisel eram informados de tudo. Na primeira fase, o comandante-geral seria Orlando Geisel, irmão de Ernesto Geisel, o responsável, ao lado do bruxo, criador do ‘monstro’ SNI,  Golbery do Couto e Silva, pela abertura lenta, segura e gradual, cuja transição, pelo alto, culminaria com a eleição, no Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves, a posse de José Sarney, em 15 de março de 1985, a instalação da Nova República e a promulgação de uma nova constituição em 5 de outubro de 1988. O historiador Daniel Aarão Reis Filho diz em “Modernização, ditadura e democracia – 1964-2010, volume 5, Editora Objetiva [2014], que a ditadura acaba, de fato, em 1979.

– O que há de 1979 a 1988 é a transição de um Estado de Direito Autoritário para um Estado de Direito Democrático.

Hugo Studart confidencia que Milton Tavares, chefe do Centro de Informações do Exército [CIE],  teria dado a opção a Orlando Geisel:

– Ou levamos todos presos para Brasília ou executamos os guerrilheiros no Araguaia. Mas a ordem dada era não fazer prisioneiros: matar!

Em 15 de março de 1974, Ernesto Geisel toma posse na Presidência da República. Ele havia derrotado o anticandidato Ulysses Guimarães, presidente nacional desde 1971 do velho MDB, mas que havia, em 1964, abençoado o rumor de botas. Depois, ele mudou de lado. Silvio Frota assumiu o Ministério do Exército com a determinação de liquidar com o foco vermelho de linhagem maoísta no Araguaia. Levantamento feito pelo escritor aponta que menos da metade das mortes na região ocorrera sob Emílio Garrastazu Médici & Orlando Geisel. Já mais da metade, o restante, na era Ernesto Geisel, Silvio Frota e Confúcio de Paula Avelino. Registro: Nilton Cerqueira, Sebastião Curió e Lício Maciel protagonizaram papéis secundários, dispara.

– Sebastião Curió passa a ser importante após a guerrilha do Araguaia, com Serra Pelada, para estabilizar a região.

Revelações

Lício Maciel, que atuara no desbaratamento do Movimento de Libertação Popular [Molipo], uma dissidência nascida em 1970, em Havana, Cuba, da Ação Libertadora Nacional, a ALN fundada por Carlos Marighella, carbonário baiano filho de um italiano com uma negra Haussá,  seria o 23º na cadeia de comando. Sebastião Curió, o 25º. As suas atuações foram superestimadas, avalia. Mal apuradas, provoca. Segundo ele, a estratégia oficial na primeira fase da guerrilha era obter informações sobre supostas atividades subversivas na área. Entre 12 e 15 ativistas revolucionários teriam sobrevivido, pontua. Os números não são precisos. É nesse período em que morre o cabo Odílio Rosa, explica ao Diário da Manhã.

Depois, houve a Operação Presença. Ela foi organizada pelo major Taumaturgo Sotero Vaz. “Os soldados precisavam de ajuda de camponeses e dos índios Suruís,recrutados pelo major Nilton Cerqueira”, sublinha. Nilton Cerqueira havia coordenado, em setembro de 1971, no sertão da Bahia, nordeste do Brasil, a operação de execução de Carlos Lamarca, o capitão da guerrilha, que deixara o Exército no ano de 1969, integrara a Vanguarda Popular Revolucionária [VPR], teve uma curta passagem pela VAR-Palmares [Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares], onde atuou ao lado de uma estudante de Economia que usava óculos fundo de garrafa chamada Dilma Vana Rousseff Linhares, companheira de Carlos Franklin da Paixão Araújo.

– Três índios foram utilizados. Eles caçaram sete guerrilheiros e entregaram cabeças.  Os Suruís conseguiram a demarcação de suas terras e obtiveram royalties da Vale do Rio Doce.

O jornalista Hugo Studart informa também que a última guerrilheira a ser executada foi Walkíria Afonso Costa, em 29 de setembro de 1974. O goiano Divino Ferreira de Sousa, que fez treinamento de guerrilha na China comunista, teria morrido em 15 de outubro de 1973. Ferido, ele foi preso e levado para a Casa Azul, instalada em Marabá. O seu corpo, ocultado, nunca foi entregue à família. Ele faz parte da lista oficial dos mortos e desaparecidos tanto do projeto Brasil Nunca Mais [1985], quanto da Lei dos Desaparecidos, de 10 de dezembro de 1995, assim como da relação oficial da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 pela presidente da República, Dilma Rousseff, ex-presa política à época da ditadura civil e militar.

Operação Limpeza

A Operação Limpeza teria sido operacionalizada, na Serra das Andorinhas e no Rio Araguaia,  por uma Força-Tarefa organizada pelo CIE e pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, sob as ordens do delegado Romeu Tuma, hoje morto.  Em janeiro, fevereiro e março de 1975, destaca. As Forças Armadas promoveram ainda a destruição seletiva de documentos supostamente comprometedores sobre o conflito sangrento. Hugo Studart acredita que o Diário de Maurício Grabois, do “velho Mário”, seja verdadeiro. Ele possui indícios que sim, registra. Depois do fim da guerrilha, a repressão liquidou três homens do Comitê Central do PC do B, em dezembro de 1976, na Lapa, São Paulo [SP]: João Batista Drummond, Pedro Pomar e Maurício Grabois. É a chamada ‘Chacina da Lapa’.

[accordion title=’Infográfico’]Os Números da Guerilha[/accordion]

 

 

[accordion title=’1964′]  Golpe de Estado civil e militar depõe o presidente João Goulart.[/accordion]

 

[accordion title=’1966′]  É o ano de início da preparação da guerrilha do Araguaia.[/accordion]

 

[accordion title=’1972′]  É descoberta a movimentação de guerrilheiros no Araguaia.[/accordion]

 

1974

Cai a última guerrilheira Walkíria Afonso Costa, em 29 de setembro de 1974.

 

1976

Dezembro, Lapa, São Paulo [SP]. Três membros do CC do PC do B são executados.

 

1985

Nova República e legalização do Partido Comunista do Brasil [PC do B].

 

2014

Relatório final da CNV lista dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia.

 

2015

40 anos do fim da guerrilha do Araguaia, organizada pelo PC do B.

 

Box

Saiba mais

 

– A Lei da Selva

Hugo Studart

 

– Operação Araguaia

Taís Moraes e Eumano Silva

 

– A Guerrilha do Araguaia – A esquerda em armas

Romualdo Pessoa Campos Filho

 

– Araguaia: depois da guerrilha, outra guerra

Romualdo Pessoa Campos Filho

 

– Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia

Leonêncio Nossa

 

Renato Dias

Renato Dias, 56 anos, é graduado em Jornalismo, formado em Ciências Sociais, com pós-graduação em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais, ex-aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, estudante do Curso de Psicanálise do Centro de Estudos Psicanalíticos do Estado de Goiás, ministrado pelo médico psiquiatra e psicanalista Daniel Emídio de Souza. É autor de 22 livros-reportagem, oito documentários, ganhou 25 prêmios e é torcedor apaixonado do maior do Centro-Oeste, o Vila Nova Futebol Clube. Casado com Meirilane Dias, é pai de Juliana Dias, jornalista; Daniel Dias, economista; e Maria Rosa Dias, estudante antifascista, socialista e trotskista. Com três pets: Porquinho [Bull Dog Francês], Dalila [Basset Hound] e Geleia [Basset Hound]. Além do eterno gato Tutuquinho, que virou estrela.

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