Os senhores da guerra
Márcio Santilli
No encerramento de cinco dias de reunião do Partido Comunista da Coreia do Norte, o presidente Kim Jong-un declarou, pouco antes da virada do ano: “Devido às ações imprudentes dos inimigos para nos invadir, é um fato consumado que uma guerra pode eclodir a qualquer momento na península coreana”. Ele exigiu prontidão ao Exército para garantir o controle sobre a península, recorrendo ao arsenal nuclear se necessário.
Como não há informação sobre nenhuma ação para invadir a Coreia do Norte, pode ter sido apenas mais uma declaração bélica de Kim, focada no controle político sobre o seu público interno e não na deflagração de uma ofensiva militar contra a Coreia do Sul. Mas, logo no início de 2024, a Coreia do Norte disparou centenas de mísseis na linha de fronteira marítima.
No Leste Europeu, Vladimir Putin, em campanha para se manter na presidência da Rússia, intensificou bombardeios sobre a Ucrânia nos últimos dias de 2023 e a violência tem escalado desde o início do ano, após o ataque à cidade fronteiriça russa de Bélgorod. Apesar do impasse no front terrestre, o conflito segue sendo pródigo para testar novos produtos da indústria bélica. Não há solução à vista.
Intensificar o massacre sobre a Faixa de Gaza e promover ataques cirúrgicos contra a Cisjordânia, a Síria e o Líbano, parece ser, também, a única receita cogitada pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Ele sabe que o término do conflito levará à sua queda, como responsável pelo sucesso do ataque inicial do Hamas, dos reféns ainda em seu poder e do número inédito de baixas israelenses, inclusive por conta de erros do seu próprio exército.
No segundo dia do ano, Israel promoveu um atentado, com drone, a um escritório do Hamas em Beirute, Líbano, para eliminar Saleh al-Arouri, um dos seus dirigentes. Sábado passado, 83 foguetes foram disparados do Líbano, pelo Hezbollah, contra Meron, no norte de Israel, como “resposta inicial” ao atentado.
No dia 3/1, o Estado Islâmico (EI), que se supunha extinto, realizou um duplo ataque suicida em Kerman, Irã, matando 84 e ferindo mais de 200 pessoas numa procissão em homenagem ao general Qassem Soleimani, assasinado pelos EUA em 2020. O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, acusou o EI de agir a mando de Israel. O EI considera infiéis os xiitas, majoritários no Irã.
Nos dez últimos dias de 2023, com o aumento dos ataques de grupos xiitas do Iêmen, em retaliação à invasão de Gaza, o trânsito pelo Canal de Suez diminuiu 28% em relação ao ano anterior, de acordo com dados divulgados na quarta-feira pela Portwatch, plataforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Universidade de Oxford. Nos primeiros dias de 2024, as taxas de envio de contêineres pelo Mar Vermelho subiram 173%.
São os senhores da guerra que estão dando as cartas nesse início de 2024. Eles estão se impondo, dentro e fora dos campos de batalha, drenando trilhões de dólares para a indústria bélica e a amplificação dos conflitos. Seriam recursos essenciais para mitigar a miséria, a doença e a emergência climática. As vítimas indiretas somos nós. Aproveito a ocasião para, sinceramente, desejar um feliz 2024 para todos os leitores!
Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.