Lawfare na universidade
Luís Carlos Cancellier morto
O suicídio do reitor
Renato Dias
Acordado logo às 6h, do dia 14 de setembro do ano de 2017, ficou sob a mira de fuzis e até metralhadoras. Homens musculosos, fardados e com balaclavas. Como um bandido. Mesmo sem saber do que era acusado, teve que despir – se. Nu, submete – se à humilhação incomensurável e fica de cócoras. Para que agentes do Estado Nacional vasculhem o seu ânus. Nunca havia sido intimado a depor. É o primeiro cadáver da Operação Lava Jato.
Gestor egresso da administração anterior, o corregedor-geral da instituição reclama do corte de R$ 1 mil em seu gordo salário. De perfil e ideias conservadoras, ele teria sofrido duas condenações e respondia também à inquéritos e processos por violência contra mulher, assim como por injúria, calúnia e difamação. É Rodolfo Hinkel do Prado. O inquisidor-mor da Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], com a sede em Florianópolis.
Nutrido de ódio e rancor, com a aspiração explícita de ocupar o cargo do seu alvo, ele aciona a Controladoria-Geral da União [CGU-SC], a Procuradoria-Geral da República [PR-SC], a Polícia Federal [PF-SC]. Alimentado por documentos com supostas fraudes. Ilações apenas. Da professora universitária Taísa Dias. Longe de provas documentais, extratos bancários, escutas robustas. Nem opta pela abertura de sindicância interna.
O método é metralhar primeiro e investigar somente depois. O eventual dolo ao erário. Tempos sombrios. De uma verdadeira histeria coletiva. A mesma que invadira o Brasil desde as jornadas de junho de 2013. Logo, o impeachment, sem crime de responsabilidade, da presidente da República, Dilma Rousseff, em 2016. Em seguida, a morte de Marisa Letícia e a prisão, em 2018, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Deslocada para Florianópolis, a delegada da Polícia Federal Erika Marena, nascida no Paraná, reduto de Sérgio Moro e Deltan Dallagnoll, não queria ser apenas uma coadjuvante. O seu projeto, o script elaborado em sua psiquê, consistia em protagonizar cenas, operações pirotécnicas, espetaculares, com ampla cobertura midiática. Vazamentos seletivos. Inverossímel, a história de um suposto desvio de R$ 80 milhões da UFSC.
R$ 80
milhões.
Mentira.
O reitor recém-empossado da UFSC LuÍs Carlos Cancellier e mais seis professores foram acusados pelo crime. Fake News. Tradução para a Língua Portuguesa: Notícia falsa. A velha e surrada mentira. O dinheiro era destinado a um amplo programa de Ensino à Distância. Recursos de múltiplas gestões. Anteriores à sua. Solto depois, para defender-se em liberdade, foi proibido de pisar na Instituição de Ensino Superior. Pasmem!
A metros do seu modesto apartamento. De cultura enciclopédica e formação humanista, o homem Não suportou a dor. Antes, assistiu a um filme que glorificava policiais federais implacáveis. Os procuradores da República incorruptíveis. Assim como juízes éticos. O Barracentro Shopping testemunhou o seu suicídio: 2 de outubro de 2017. Luís Carlos Cancellier é uma das vítimas da Lawfare. A guerra jurídica com motivo político.
Morto aos 60 anos, o reitor Luís Carlos Cancellier era graduado, mestre e doutor em Direito. Mais: professor concursado. O personagem da trama perversa fora eleito no ano de 2015. Registro: com a solenidade de posse ocorrida em 10 de maio de 2016. A acusação era de ter obstruído as investigações de corrupção em cursos de EAD. A Operação denominou-se Ouvidos Moucos. A PF silenciou – se sobre a sua morte trágica.
Serviço
Livro: Recursos Finanl
Autor: Paulo Markun
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2021